sábado, 20 de abril de 2019

Sim, o lavajatismo quer o poder. Para destruir o Brasil, faltou dizer

Insuspeito de simpatias ideológicas pelo petismo, Demétrio Magnoli, na Folha de hoje, faz excelente análise daquilo que cada vez mais pessoas percebem, embora há tempos seja óbvio: que 0 “Governo Bolsonaro é só uma escala técnica na rota do Partido dos Procuradores”, uma organização ” que alastrou suas bases pelo Ministério Público, extravasou para setores da Polícia Federal e da Receita e se disseminou entre militares da reserva e políticos (tanto governistas como de oposição).
Hoje, o projeto de poder tem seu próprio candidato presidencial, que atende pelo nome de Sergio Moro, e seu veículo oficioso de mídia, que é o site censurado pelo ato ilegal do STF.
Magnoli acerta em cheio no diagnóstico, mas erra na etiologia deste mal, ao situar  – possívelmente por suas idiossincrasias com o PT – o surgimento de seus “sinais iniciais emergiram em maio de 2017, na “operação Joesley Batista” e no artigo de Rodrigo Janot que denunciava “o estado de putrefação de nosso sistema de representação política”(…) enunciava, então, nada menos que um objetivo estranho à missão judicial da Procuradoria: limpar a República, substituindo a elite política tradicional por uma outra, pura e casta”.
É evidente que o uso político de investigações – sobretudo pelo vazamento seletivo e pela transformação de acusações em provas com alto valor de barganha – vem de antes, muito antes e teve seu primeiro clímax na capa da Veja do “Eles sabiam de tudo” lançada como panfleto eleitoral na véspera da eleição presidencial de 2014.
Não funcionou ali, mas funcionou a seguir, abrindo caminho para que a escória da política, como cupins, transformasse em estrutura carcomida e frágil o Governo, ajudada pela errônea – embora, talvez, inevitável – atitude de Dilma Rousseff de achar que as ideias econômica neoliberais, se postas devidamente na coleira, sossegariam a matilha.
A questão, infelizmente, é que grande parte da direita brasileira – e mais ainda porque seus núcleos de elite precisam descer ao nível da selvageria política para obter base social – já não tem sequer um projeto de desenvolvimento associado, “liberal com tinturas sociais”  coo sugeria o pensamento de Norberto Bobbio, que Fernando Henrique Cardoso gostava de citar.
Só o ódio insano é capaz de produzir adesão à versão atual do neocolonialismo que, se quiséssemos fazer paralelos historicos, teríamos de situa no Brasil colonial de antes da vinda da família real: uma subnobreza cuja vassalagem e dependência da metrópole interditava qualquer ação de desenvolimento do que viria a ser esta nação.
E quem são os “ingleses” beneficiários disto é ocioso dizer.
Aí está a chave para que se possa compreender, sem ilusões, o que significa a aspiração “lavajatista” ao poder absoluto: o desejo de destruição do estado nacional cujas bases foram lançadas na  Revolução de 30. Não é apenas no (re)tornar a questão social a “um caso de polícia”. É tornar a política uma dança formal num baile onde só podem estar os convidados desta risível corte.
Aos demais, “cortem-lhe as cabeças”.

O caso STF: lições de uma arapuca

Ouvi e absorvi uma frase de Leonel Brizola que deveria servir de bússola a muita gente: na luta política, os métodos acabam por refletir antecipadamente os fins.
O episódio que distraiu o país de seus problemas reais, esta semana, transformando a censura a uma publicação de agentes provocadores – que, de tão repulsivos a mim são, que nem o nome lhes cito – é um destes casos em que, do princípio ao fim, mostram como o país está sujeito a uma deformação que só nos conduz à perda da liberdade.
O desvio original foi tomado lá atrás, quando se transferiu para Justiça a luta política, ao se enxergar no chamado “mensalão” a via para destruir a hegemonia da centro-esquerda: o que, pela via eleitoral, não se alcançava.
Sérgio Moro, como juiz-auxiliar no STF, foi cria deste processo. Mas o útero em que se formou foi tecido em 2010, pela então presidente da Associação de Jornais, Judith Brito, ao anunciar que a imprensa, dada a fraqueza do PSDB, seria “a verdadeira oposição”.
Muita coisa se passou nesta década e não é necessário historiá-la. Também não é preciso dizer que isso só alcançou o ponto a que chegamos porque uma conjuntura mundial, a partir da crise global de 2008/09, o ajudou.
O fato objetivo é que o foco dos desejos nacionais – a opinião que se publica, na definição genial do Barão de Itararé – foi mudado da posição “crescer e incluir” para a “punir e prender”.
Nossas mazelas, nosso subdesenvolvimento, carências e atrasos, desde o maldito “padrão Fifa”, passaram a ser imputados à corrupção, em lugar da dependência, do rentismo, da tutela do capital financeiro que passou, nos anos 80, a ser o “dono” da economia, interrompendo o desenvolvimento, ainda que precário, da indústria e da infraestrutura nacionais.
Para produzir o desmonte definitivo deste país, porém, era preciso mais: era necessário desmontar as estruturas político-partidárias que, mal ou bem, traduziam as expectativas de desenvolvimento, as quais precisavam ser inteiramente entregues à lenda de “o mercado nos salvará, se o deixarem livre”.
A “Lava Jato”, há cinco anos, cumpre magistralmente esta função. Avançou e ocupou todos os espaços; tranformou o Supremo em capacho do “movimento de moralização” – leia-o com duplo sentido, se quiser – do Brasil e foi impiedoso com qualquer tentativa que este fizesse de ainda preservar alguma independência. Teve aliados “internos” – Luiz Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármem Lúcia -, teve um Luiz Fux sempre à mão e a tibieza de Rosa Weber, sempre a fazer virarem poeira suas convicções e se juntar ao grupo, com as mais variadas e frouxas razões.
Do outro lado, tinha Gilmar Mendes para fazer o papel de “diabo plausível” para chamar de “aliado de bandidos”, a falta de foco de Ricerdo Lewandowski e Marco Aurélio Mello e o sempre atemorizado Dias Toffoli. Celso de Mello, um conservador, era sempre dado como caso perdido, desde que mostrou que, no final da carreira, prezava mais a fama de juiz erudito que a de juiz herói.
Mas perdeu um voto que considerava certo, o de Alexandre de Moares que, pela extração consevadora e modos agressivos, era dado como “seu”. Quando o lavajatismo perdeu a votação para enviar à Justiça Eleitoral os casos de “Caixa-2”,  antecipou o ataque que preparava para quando assumisse o controle absoluto da Procuradoria Geral da Justiça, com a substituição de Raquel Dodge.
Disse absoluto, porque ela nunca teve condições de tirar a PGR do império de Curitiba onde Rodrigo Janot, por vaidade forte e caráter fraco, a lançou.
Como a Procuradoria estava impedida, por isto, de agir em seu papel de defender o Supremo da onda de fake news e de ameaças – quem se lembra do caso do sujeito que partiu para cima de Lewandowski num avião? – Toffoli mandou abrir o esdrúxulo inquerito para isso.
Era preciso evitar que a República de Curitiba aparecesse como maestrina desta ofensiva. E usou-se a máquina suja de que dispunha para expor Toffoli, com uma “acusação” vaga dentre muitas que recolheu no “negócio” – em todos os sentidos – que fechou com a Odebrecht  na delação que levou à soltura de Marcelo, numa orquestração que rendeu bônus e “salários” a oito dezenas de executivos da empresa.
Toffoli e Moraes morderam a isca e transformaram uma pequena imundície, vinda de fonte imunda, por vias igualmente imundas em comoção nacional.
Por mais que o recuo, ontem, possa, com o tempo, minimizar o prejuízo, Curitiba blindou-se.
Usou-se, contra ela, os métodos de atropelo da lei que ela sempre usou.


Delatores de encomenda. E a Justiça aceita

É só porque o Brasil se tornou o país do impensável que não se torna um escândalo a reportagem de Consuelo Diegues, hoje, na Piauí.
É o relato, detalhado e documentado, de como a CCR – empresa do grupo Andrade Gutierrez – compra e dirige as “delações premiadas” de seus executivos.
Os mais “baratos” vão ganhar R$ 78 mil reais por mês para dizer o que a empresa quer que seja dito sobre propinas e corrupção em suas ações.
E só o que ela quer, claro que com acordo com os membros do Ministério Público:
O contrato deixa claro que há limites sobre o que os delatores vão contar aos promotores. Destaca que “o colaborador, caso seja obrigado a divulgar Assuntos Confidenciais, compromete-se a fornecer apenas a parte que é legalmente exigida e a empreender todos os esforços razoáveis para obter garantias confiáveis de que o tratamento confidencial será dado a tais Assuntos Confidenciais”. Além disso, os delatores se comprometem a “não fazer declarações públicas a quaisquer terceiros, tais como veículos de mídia e impressa, investidores e analistas de mercado, bem como a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas (…) que sejam prejudiciais à Companhia e às sociedades pertencentes ao grupo CCR ou à reputação de seus executivos e empregados”.
Do contrário, será suspenso o bônus de R$ 78 mil mensais, durante cinco anos, que os “arrependidos” farão jus.
A delação é contratualmente dirigida e fica explícito que será segundo que a empresa quer, em suas tratativas com o Ministério Público.
São confissões, verdadeiras ou falsas nisto ou naquilo,  que serão compradas a dinheiro vivo e com contrato assinado,  e isso é homologado  por um juiz.
Não é inédito, e foi feito com o pagamento de milhões de reais aos delatores da Odebrecht.
A corrupção tornou-se aceitável no Brasil desde que seja por contrato.
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Democracia é selvageria?

Quem é jornalista – e mais ainda quem se dedica a um jornalismo político de opinião – não pode ser, até por autoproteção, defensor da censura à liberdade de expressão.
Isso não pode se confundir, jamais, com agressões infundadas à honra e a dignidade de pessoas, muito menos com a incitação até a que se promovam agressões físicas.
Ao longo de anos – e sempre em meio a um enfrentamento político agudo – jamais, deliberadamente, apelou-se para este tipo de comportamento.
Nem se foi cúmplice deles.
Porque este tipo de atitude só leva ao que temos hoje: a entronização da estupidez e do arbítrio como forma de exercer o poder.
O que está em curso, neste momento, é a aniquilação do Supremo Tribunal Federal e, como ocorreu ao longo dos últimos anos, com a cumplicidade de ministros do STF que usaram e abusaram deste expediente para obter visibilidade e prevalecer, na corte, com “o clamor das ruas”.
Luiz Nassif, em ótimo artigo no GGN, mostra que, infelizmente, não é só brasileiro o fenômeno, mas mundial, com o uso do sistema judicial – juízes e promotores – como forma de implantação de governos (ou pressões sobre governos) de sentido autoritário e ultracapitalistas.
Diz ele, no fecho do texto “O século do Judiciário e a volta da barbárie”:
País sem tradição democrática, o Brasil comprometeu a própria democracia, tendo como episódios trágicos o impeachment e a prisão política de Lula. O plantio pertinaz das sementes do arbítrio não foram praticadas por jovens procuradores concurseiros, mas por Ministros do STF, como Joaquim Barbosa, Ayres Brito, Carmen Lúcia, o indizível Luis Roberto Barroso, de Procuradores Gerais, como Antonio Fernando de Souza, Roberto Gurgel, Rodrigo Janot, todos encantados com seus novos poderes, e sem um pingo de responsabilidade em relação à Constituição, às leis, ao país. E, principalmente, devido à cegueira generalizada da mídia, só percebendo o monstro que criara quando de suas entranhas nasceu essa figura pública disforme de nome Jair Bolsonaro.
O século do Judiciário gerou a maior ameaça à democracia desde a ascensão do nazismo. A lógica é a mesma: a legitimação dada pelo clamor das turbas, derrubando leis, Constituição, calando os críticos, exterminando as oposições e impondo o populismo penal, sem freios nem contrapesos. E com procuradores se comportando como milícias vingadoras, sem estarem submetidos a nenhuma forma de freio.
Hoje o Brasil está mergulhado em uma luta entre corporações, com o caos institucional se espalhando por todos os poros do Estado.
Foi esta selvageria judicial que estimulou e insuflou a selvageria que, hoje, se volta contra as instituições judiciais.
Isso não tem nada a ver com liberdade de imprensa e é falso que seja este hoje o problema em questão neste caso do grupo que está sendo proibido de veicular ataques a Dias Toffoli.
O que ocorre, de fato, é a tentativa, canhestra e mal articulada, de enfrentar uma ofensiva fascista e autoritária que não se satisfez em dirigir o STF, mas quer aniquilá-lo.
Mas o que fazer contra um sistema que faz da especulação financeira o seu financiador e é instrumentalizado pelo Ministério Público como ferramenta de provocação e desafio à Corte Suprema?

Crise ajuda Guedes na privatização da Petrobras

Paulo Guedes prepara-se para aplicar o ditado chinês de transformar “crise em oportunidade”. Num sentido inverso do que os chineses o aplicam, claro: a crise é para o país, a oportunidade é para o dinheiro.
Disse ontem, na Globonews, que Jair Bolsonaro, diante dos discursos em favor da  privatização da Petrobras, “levantou a sobrancelha”:
“O presidente levantou a sobrancelha… Ué, se o preço de petróleo sobe no mundo todo inteiro e não tem nenhum caminhoneiro parando no Trump, na Merkel ou na porta do Macron, será que tem um problema aqui?”, disse.
O presidente, no dia seguinte, teria mandado uma imagem para Guedes em que mostrava 60 bandeiras de empresas no setor de petróleo nos EUA e apenas uma bandeira, a da Petrobras, no Brasil. “Acho que ele quis dizer alguma coisa com isso”, explicou.
Se quis ou não, agora quer, porque Guedes abriu a questão.
Aliás, nem é verdade que só exista uma bandeira no setor de petróleo no Brasil. Desde 1997 não existe aqui monopólio estatal no petróleo. Ninguém é impedido de extrair ou de refinar óleo, desde que esteja disposto a investir e pagar os tributos e participações correspondentes.
A sobrancelha levantada é o sinal para Guedes aprofundar o que desde sempre é seu plano: vender o filé das operações da Petrobras – a sua rede de comercialização, via BR istribuidora, e entregar, na bacia das almas, o investimento mais pesado da empresa – se tomado em valor dos ativos – que é seu parque de refino.
E como fazer isso sem despertar a fúria do brasileiro? Seguindo a toada fácil de transformar a empresa em inimiga do país, com os preços que cobra.
Ou melhor, com os preços que aparenta cobrar, porque é a tributação que faz o valor pago nas bombas. Tanto é assim que o combustível menos tributado – o diesel – custa, agora, R$ 2,24 na refinaria e R$ 3,55 no posto e a gasolina, que sai da refinaria a R$ 1,94, chega às bombas por R$ 4,40.
E que não se fale que há monopólio na distribuição, porque nunca houve, nem mesmo nos tempos do “petróleo é nosso”.
Não há crise, como se vê, há oportunidade de negócios.

Previdência: o governo não tem bala na agulha

Os analistas ainda não se debruçaram com profundidade sobre o que significa o aconteceu hoje no adiamento da Comissão de Constituição e Justiça  da Câmara, quando se adiou, à espera de um acordo, a votação da admissibilidade da PEC da Previdência.
O governo, mesmo contando com a adesão da parte “aderente” do “Centrão” – inclusive Rodrigo Maia – não chega aos votos suficientes para fazer maioria.
Não apenas isso: não tem articulação, capacidade política e nem ao menos humildade em procurar composições que lhe possam dar a maioria.
Quando o “Centrão” anunciou, duas semanas atrás, que havia pontos inaceitáveis na reforma, não foi negociar sua exclusão e preferiu dizer – e a aceitar a pantomima da aceitação – de que tudo seria negociado na comissão de mérito, não entendeu que a concordância era hipócrita e que não haveria vantagem alguma em ceder, na CCJ, tudo por nada.
Da mesma forma que a sessão de sorrisos e apertos de mão no Planalto, feita na volta de Bolsonaro de Israel não mudou em nada a relação – ou a falta de relação – com o governo.
Agora, o governo está contra a parede em ceder em outros quatro pontos que vão além daqueles que, antes, estavam condenados.
É só o início.
Daqui a quinze ou 20 dias, quando a comissão que analisará a proposta, isso se sucederá e as exigências serão maiores.
Dê-se por feliz a equipe econômica se sobrar algo como um terço do trilhão que Paulo Guedes imaginava retirar do sistema previdenciário. Talvez um pouco mais, mas numa velocidade muito menor que a pretendida, porque as ferozes regras de transição vão cair a patamares muito menos draconianos que os propostos.
E que outro naco será tirado pelo aumento real do mínimo, pauta saborosa que, até 17 de julho, terá de ser votada.
E, daí, mais algum no Senado, no segundo semestre.