sábado, 27 de abril de 2019

A Argentina desce ao abismo e assusta Bolsonaro

Se o leitor ou a leitora teve a oportunidade de ir à bela Buenos Aires, tempos atrás, e se acostumou ao câmbio de 2,5 pesos por real, vai entender o que digo com ua única informação: o nosso real, mesmo baqueado em dólar, está comprando, neste momento, quase que 12 pesos!
O país está entrando em colapso: em um ano, o risco país  mais que dobrou – de 400 para mais de 900 pontos –  e já ninguém acredita que, mesmo com o semicongelamento de preços, a inflação do ano fique abaixo de 50%. Isto por enquanto.
As agências que fazem seguro de risco já consideram que o país terá de decretar moratória – chamada no mercado de default –  quando estiver para vencer o crédito de emergência obtido junto ao FMI.
Para uma geração que se acostumou em ver nos argentinos o famoso Efeito Orloff – “Eu sou você, amanhã” – é algo apavorante.
As pesquisas mostram que Maurício Macri segue descendo ladeira abaixo. Até dezembro de 2017, quando fez a reforma da Previdência, o atual presidente andava pelos 65 de aprovação, três vezes mais do que tem hoje.
Cristina Kirchner, perseguida pelo Ministério Público e pelo Judiciário, só não foi presa porque seu mandato de senadora obriga, para isso, que o Senado o autorize por dois terços dos votos, blindagem com que, lamentavelmente, Lula não contou aqui.
Apesar disso, já há algum tempo figura, com vantagem crescente, como a favorita nas PASO, as eleições primárias dos argentinos, na votaçao presidencial e, nos últimos dias, também no segundo turno – a balotage –  que, entre eles ocorre quando o vencedor não tem 45% dos votos ou mais de 40% e uma diferença de 10% para o segundo colocado.
O vizinho de cima dos portenhos, portanto, parece que colocou as barbas de molho. Jair Bolsonaro, do nada, declarou que está preocupado com uma eventual eleição da ex-presidente, que – diz ele – traria uma “nova Venezuela” ao continente.
Dia 30, à tarde, para marcar o 1° de maio, estão previstas enormes manifestações contra a política econômica de Macri. Veremos se o Efeito Orloff ainda funciona dentroe de alguns meses.

Um líder não negocia nem por sua vida

É preciso ser um sujeito totalmente desprovido de humanidade para não sentir o drama latente no texto de Florestan Fernandes Jr. com Carla Jimenes, no El Pais, com o qual se inicia a reprodução da entrevista feita hoje com o ex-presidentre Lula em seu cárcere em Curitiba.
É preciso, ainda mais, ser completamente obtuso para não ver que este é um documento de nossa história, um capítulo de um martírio que cruzará o século e que nossos bisnetos e trinetos aprenderão na escola.
 É o Lula de sempre. Ele está igual. Quem esperava vê-lo envelhecido ou derrotado, se frustra. Ele tem fúria. E obsessão para provar sua inocência. “Não tem problema que eu fique aqui para o resto da vida. Quem não dorme bem é o Moro, Dallagnol e o juiz do TRF-4 [que confirmou sua condenação em segunda instância].”
Mas é também o ser humano que está submetido a perdas seguidas: a mulher Marisa Letícia, o irmão Vavá, o amigo de décadas Sigmaringa Seixas e, pior, o neto Arthur.
Lula está engasgado e sabe que esta entrevista é a oportunidade para falar depois de um ano silenciado pela prisão em abril de 2018. A conversa tem início e o ex-presidente ainda mantém um semblante sério. Mas uma pergunta quebra a rigidez. Quando é questionado sobre a morte do irmão Vavá, em janeiro deste ano, e o neto, Arthur Araújo Lula da Silva, de 7 anos, dois meses depois.  “Esses dois momentos foram os mais graves”, lembra ele, citando também a perda do ex-deputado Sigmaringa Seixas, morto no final do ano passado. “O Vavá é como se fosse um pai pra família toda. E a morte do meu neto foi uma coisa que efetivamente não, não, não… [pausa e chora]. Eu às vezes penso que seria tão mais fácil que eu tivesse morrido. Porque eu já vivi 73 anos, eu poderia morrer e deixar meu neto viver.”
Mas a garganta e os olhos marejados não lhe traem a cabeça:
“Sei muito bem qual lugar que a história me reserva. E sei também quem estará na lixeira.”  Lula critica o ex-juiz Sergio Moro, responsável pela sua condenação, a Operação Lava Jato, e o procurador Deltan Dallagnol. “Reafirmo minha inocência, comprovada em diversas ações”. O silêncio é absoluto, apesar da presença de delegados da Polícia Federal e de três oficiais armados, todos a serviço da PF, que está sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, conduzido por Sergio Moro.”
Florestan narra que o velho líder “não está feliz nem triste, nem tampouco envelhecido. Mas está diferente”.
Lula diz que há outros momentos que o deixam triste, com uma mágoa profunda. “Quando vejo essa gente que me condenou na televisão, sabendo que eles são mentirosos, sabendo que eles forjaram uma história, aquela história do powerpoint do Dallagnol, aquilo nem o bisneto dele vai acreditar naquilo. Esse messianismo ignorante, sabe? Então eu tenho muitos momentos de tristeza aqui. Mas o que me mantém vivo, e é isso que eles têm que saber, eu tenho um compromisso com este país, com este povo”.
Em instantes, o vídeo de um trecho da entrevista.

O Lula que precisam calar. Assista

Perdoe, Lula, pela comparação.
Mas dois dias depois de ouvir um presidente que é incapaz até de ler um texto, que vai pingando as palavras como um bode despeja o que comeu, ouvir a carga de emoção, de dignidade, de simplicidade, em sua fala na primeira entrevista depois de 13 meses de silêncio compulsório é, ao mesmo tempo, uma tristeza profunda, ainda que com esperança de que não sejamos, por anos a fio, o país da mediocridade estúpida.
Sabe, sua fala tem a natureza do que os gaúchos chamam de tronco “guarda-fogo”, que depois de uma madrugada de frio e de garoa, tem a brasa imortal dentro de si e vai acabar por nos aquecer na manhã mais fria e nevoenta.
Se alguém ainda não entendia porque é tão importante para esta gente manter Lula preso e calado, entenderá agora.
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ECONOMIA NAS PALAVRAS...

FALOUPOUCO

Para que servem os “factóides” de Bolsonaro?

Há algo mais que o ridículo nas atitudes de Jair Bolsonaro de criar o fato consumado e, depois, fazer o governo dizer que “não é bem isso”.
Primeiro, com o reajuste do diesel anunciado, anulado e, afinal, efetivado pela Petrobras.
Agora, com a declaração do Secretário de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz de que “não tem validade” a ordem do presidente de que fosse suspenso o filmete do Banco do Brasil do qual “não gostou”.
O primeiro traço do episódio, bem evidente, é o desejo de “por em seu lugar” os dirigentes de empresas e órgãos do governo: suas decisões serão grosseira e grotescamente desautorizadas pelo Presidente da República, quando não o agradarem ou não lhe forem convenientes.
É o “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, a “enquadrada no tranco” que é, para Jair Bolsonaro, a forma de exercer a autoridade sobre aqueles que estão na administração pública ou na política.
O segundo é o de que a disputa entre os gestores militares do governo e os agentes do clã bolsonarista está instalada dentro da Secretaria de Governo, o ministério que, admnistativamente, gere as ações do Palácio do Planalto.
A ordem para retirar o comercial do ar, formalmente, foi feita pelo secretário de Publicidade e Promoção da Secom, Glen Valente, ex-diretor comercial do SBT, trazido para o governo na semana passada por Fábio Wajngarten, nomeado para a chefia da Secom por Carlos Bolsonaro,  com direito a elogios de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo.
Carlos e Olavo, como é sabido, embora com calibre menor, atiram em Santos Cruz como fazem com o vice Hamílton Mourão.
É, portanto, evidente que a tal “Instrução Normativa” invocada como razão para a ordem de “última forma” no veto ao filmete do banco foi apenas o “gancho” achado por Santos Cruz para enfraquecer o adversário colocado goela abaixo em sua cadeia de comando.
General sabe dar tranco, tanto ou mais que ex-capitão.