sábado, 2 de setembro de 2017

O Brasil que brota para ver Lula

marco
Fiquei em dúvida se ilustrava o post com a foto aí de cima ou com a que vai no corpo do texto, ambas do Ricardo Stuckert, que virou uma espécie de Debret desta “missão francesa” de um nordestino pelo Nordeste, à procura de si mesmo e de força para rebrotar, como uma planta busca água em suas raízes.
Escolhi porque nela há uma criança, que não merece ter, daqui a 50 anos, a expressão que a outra mulher tem no rosto crestado de sol e de carências.
marco1As duas são de Marcolândia, ponto mais alto da Chapada do Araripe, onde Lula esteve ontem e ontem se falou aqui que era gente e gente num deserto que só tem perto uma pequena comunidade de 8 mil habitantes.
Acertei no deserto e errei no “perto”.
Porque era longe, longe, “um lugar ermo, um descampado longe da cidade, sem uma árvore para abrigar as pessoas, debaixo das gigantescas pás das torres geradoras de energia eólica”, conta no Facebook o advogado, jornalista e poeta piauiense Odorico Carvalho, que ponho para contar a história:
“A Caravana chegou com 3 horas de atraso. Ao passar por Araripina, em Pernambuco, uma multidão interrompeu o comboio e Lula teve que descer, tirar fotos, receber beijos, abraços, como vem acontecendo ao longo dos 9 estados nordestinos.
Achava-se que não haveria público em Marcolândia em razão do local escolhido. Mas as pessoas foram surgindo do mato, das estradas, em motos, bicicletas, à pé e foram se acotovelando em frente ao palco protegendo a moleira com cartazes, com as mãos espalmadas, do jeito que fosse possível. 
Ao chegar, Lula foi ovacionado aos gritos pelo povo, com o pipocar de fogos e a alegria de quem se vê, frente a frente, pela primeira vez, com o herói da classe trabalhadora, o homem que salvou milhares de vidas irremediavelmente condenadas à morte pela fome e pela pobreza. Se o local escolhido foi para evitar o povo, erraram: o povo compareceu em massa. 
Maria Kazé, líder do MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores, fez um discurso comovente, com o destemor de quem já viveu tudo, já enfrentou tudo e venceu. Lula ouviu calado. Depois fez brincadeiras com o nome do prefeito local, Zé Pitú, falou grosso contra os golpistas e jogou indiretas para a imprensa nacional que, segundo ele, acompanha a Caravana, mas não publica nada.”
Não, Odorico, não publica porque este povo não existe, não existe senão quando brota da terra seca.
Brotar como drama, n’O Quinze, da Rachel de Queiroz, ou nas Vidas Secas, do Graciliano, é florada de curta duração: vai logo às prateleiras, pegar pó, para só voltar a ser visto por poucos, daí a uma geração, que vão achar que é coisa passada, que não existe mais.
E existe, existe.
Mas brotar como festa, brotar como esperança, brotar como desejo é coisa mais forte, que não se apaga, que vira fé, lenda, “causo” de raiz plantada na memória das gerações.  De raiz tão funda que, mesmo quanto se corta, salga e maldiz, ainda assim rebrota.
Por toda a parte, como Odorico relata, sai da terra quando  a caravana segue.
“A Caravana seguiu para Picos PI, onde, neste sábado, haverá um grande evento no bairro Pantanal. E nós fomos atrás bem perto das viaturas da Polícia e outros veículos com seguranças da comitiva. Em Alegrete, uma multidão tomou a pista e Lula, de novo, desceu do ônibus para receber os amassos de sempre. Ao chegar a Campo Grande, de novo, lá estava a multidão à espera. Já beirando as 14 horas, usei uma pista lateral, consegui me desvencilhar da carreata e segui viagem, enquanto, pelo retrovisor, vislumbrei a multidão em volta de Lula em mais um gesto de amor quase inexplicável pelo velho líder trabalhista. “
A planta do deserto – que Brizola dizia ser, aquela que rebrota com qualquer chuvinha, desta que há seis anos falta ao  Nordeste – é o povo nordestino, resistente como uma mulher sofrida, luminoso como menina que brota linda como a flor do mandacaru, que o Gonzagão cantou, não por acaso, no “Xote das Meninas”:
“Mandacaru, quando fulora na seca/ É sinal que a chuva chega no sertão.
A chuva vai voltar, a despeito dos sabidos, que preferem crer só em isóbaras e anticiclones dos metereologistas da crônica política, que acham que de vem um El Niño fatal. São todos racionais e frios; talvez por falta de amor não saibam se apaixonar.
Pode ser inexplicável, mas para que explicar o que é um milagre do povo destes que mesmo quem é ateu têm de crer , como o Caetano,  porque  “não cessam de brotar, nem cansam de esperar”, porque “o coração que é soberano e que é senhor, não cabe na escravidão”.

Academia de “heróis”. Custa caro e quem paga é você

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Saiu até no G1, da Globo, mas não vem ao caso.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde mais de 98% dos magistrados recebem  vencimentos brutos acima do limite de R$ 33.763, valor do subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal, mantém, com dinheiro público, um “mimo” para seus juízes e seus dependentes: uma completa academia de ginástica, que funciona no primeiro andar da Lâmina 2 do Fórum Central.
A benesse foi denunciada pelo sindicato dos servidores – em ofício ao corregedor do Conselho Nacional de Justiça, João Otávio de Noronha – informando que um convênio repassa R$ 4,8 milhões para esta atividade exclusiva.
O Sindicato publicou uma revista, com esta e outras denúncias envolvendo nepotismo, benefícios, contratos suspeitos, gastos secretos e destinação de custas judiciais  para entidades privadas, entre as quais a Mútua dos Magistrados, que mantém a academia e um corpo médico exclusivo para juízes e dependentes, também pago pelo Tribunal, além do plano de saúde  da Amil com o qual a Justiça mantém convênio.
Diante disso, a direção do Tribunal agiu imediatamente, tomando providências rápidas: desengavetou um processo arquivado desde outubro de 2016 e, em apenas um dia, expediu uma decisão saneadora: retirou a licença dos dirigentes sindicais que publicaram a denúncia!
O que caracteriza uma casta, mais que seus privilégios – afinal, nem tanto pelo serviço, pois uma academia custa menos de R$ 100 em mensalidades, o que não faria falta aos juízes – é a ideia de que merecem ser privilegiados e que não são criticáveis pelos seres humanos da “ralé”.
Mas têm, sobre nós, todos os poderes, cada vez menos limitados pela lei e ampliados pela histeria moralista.
Pelo exemplo que dão, mostram que a moral  – ou a lei ? – não não é para todos.

Dilma: compor com Cunha seria descer à criminalidade. Veja

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Em entrevista a Mariana Godoy e Mauro Tagliaferri, que foi ao ar ontem à noite, a presidenta Dilma Rousseff  afirmou que evitar a sabotagem de  Eduardo Cunha a seu governo e para preservar seu mandato significaria chegar a um nível de criminalidade que ela não estava disposta a descer.
Dilma  criticou o fato de que, desde dezembro de 2015, muitos meses antes do impeachment, todos já sabiam dos crimes do ex-presidente da Câmara e nada se fez para afastá-lo do cargo, porque ele serviria para realizar o golpe.
Os abusos nos processos da Lava Jato, segundo ela, saíram de  controle democrático algumas ações da Polícia Federal na Operação Lava Jato, dizendo que o “combate à corrupção saiu do controle”. “O combate à corrupção rompeu coisas que não poderia ter rompido: o direito de defesa e a delação sem provas”.
Assista, na íntegra, abaixo:

Damous: padrinho de Moro apagar fotos é obstrução de Justiça?

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O dileto amigo do juiz Sérgio Moro, o advogado Carlos Zucolotto, acusado por Rodrigo Tacla Duran, réu na Lava Jato, de intermediar negociações paralelas de delação premiada com a força-tarefa da operação, apagou as postagens de seu perfil no Facebook.
Dentre elas, fotos nas quais Moro, Zucolotto e esposas aparecem em restaurantes de luxo em Nova Iorque. O problema é que pelos critérios adotados por Moro à frente da Lava Jato muitos já foram acusados, condenados e presos por procedimentos semelhantes.
E agora, doutor Moro ? Será que a sociedade não tem o direito de saber o que teme seu padrinho de casamento ao limpar o perfil do Facebook? Podemos pensar que seja o medo da revelação de evidências e fatos comprometedores. Embora saibamos todos que a seletividade e adoção sistemática da prática dos “dois pesos e duas medidas” sejam marcas visíveis de sua atuação como juiz, o caso em questão requer explicações.
Não custa lembrar que Moro foi pilhado em flagrante demonstração de deboche quando as denúncias de Duran vieram à tona, através de matéria do jornal Folha de S. Paulo assinada pela jornalista Monica Bergamo.
Na ocasião, o juiz de 1ª instância, que vem dando fé pública e crédito ilimitado à palavra de acusados e criminosos, para condenar sem provas desde o início da Lava Jato, teve a desfaçatez de sair-se com essa : “É lamentável que a palavra de um foragido da Justiça brasileira seja utilizada para levantar suspeitas infundadas sobre a atuação da Justiça”
Na mesma linha, ele negou o pedido dos advogados do ex-presidente Lula para que Duran fosse ouvido na condição de testemunha de defesa. Está claro que Moro quer calar Duran a todo custo e abafar o episódio. Mas a Lava Jato acusou a presidenta Dilma de obstruir a justiça ao nomear Lula ministro e do mesmo crime por ter nomeado um ministro do STJ, segundo delação do ex-senador Delcídio do Amaral.
Nos porões de Curitiba não faltam presos por obstrução da Justiça, com base nos parâmetros de Moro para tipificar esse delito. Agora, a pergunta que inquieta os defensores do estado democrático de Direito é : por que diabos seu amigo e compadre está a salvo do entendimento padrão da Lava Jato sobre obstrução de Justiça” ?
*Wadih Damous, ex-presidente da OAB-RJ, é deputado federal pelo PT

Lula, inocente; Delcídio, delator mentiroso. E fica por isso mesmo

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O procurador Ivan Cláudio Marx, da 10a. Vera Federal de Brasilia, pediu a absolvição de Lula pelo “crime” de obstrução da Justiça que ele teria cometido, denunciado na delação premiada de Delcídio do Amaral, negociada com Rodrigo Janot e apresentada em 21 de julho do ano passado.
O promotor pede, ainda, a anulação dos benefícios concedidos a Amaral por ele ter, numa palavra, mentido para safar-se de suas culpas.
Lula, como se sabe, é “bom de delatar”, porque acusá-lo é “verdade” em princípio, vale barganhas maiores e, ao menos lá em Curitiba, independe de prova.
A sentença de Moro no caso do apartamento do Guarujá – a tal “tecnicamente perfeita” segundo o pré-julgamento do presidente do Tribunal que vai analisá-la antes mesmo de recebidos os autos – funcionou assim: uma série de indícios inconclusivos passa a ser motivo de condenação porque um delator disse que “Lula sabia”  e pronto.
Bem, ao menos neste caso, justiça foi feita.
Mas foi feita apenas em parte.
Porque como pagar pelo abalo de imagem que isso causou ao ex-presidente? Como recolher as milhares de páginas de jornal, de revistas, de internet e os minutos preciosos de Jornal Nacional?
Ações cíveis? Vai-se alegar “liberdade de imprensa”.
E é.
Mas a de informar, não a de difamar.
Tudo facilitado por uma legislação – e uma prática do MP – de aceitar a delação antes da apresentação de provas.

Cantanhêde e o “cegos, surdos e mudos” de Lula no Norte e Nordeste

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Um dos problema do preconceitos é que, como a água, mesmo que se os represe, acabam dando um jeito de escapar.
A colunista da “massa cheirosa”, Eliane Cantanhêde, deixou vazar os seus hoje, ao reagir, indignada, à queda de credibilidade de Sérgio Moro registrada na pesquisa Ipsos-Estadão onde , segundo ela, o juiz ” perdeu pontos justamente no Norte, no Nordeste e nas classes D e E.”
Inconformada, ela brada: “Aí tem!”
É justamente no Norte e no Nordeste que o PT e particularmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são campeões de voto e têm os mais fiéis seguidores, cegos, surdos e mudos para quaisquer revelações da Lava Jato, que opõem Moro a Lula. Ali, a versão de Lula vale mais do que os fatos de Moro.
E estão nas classes D e E os cidadãos e cidadãs com menor escolaridade e maior ingenuidade, menor nível de informação e maior crença no que Lula diz. Aliás, ele está percorrendo o Nordeste, num périplo que o PT chama de “Caravana pelo Brasil” e seus críticos apelidaram, ironicamente, de “Caravana da Saudade, ou da Despedida”
Segundo ela, nortistas, nordestinos e pobres em geral estão sendo atingidos por “contrainformação”. Como não se tem notícia de alguma TV, rede de rádio ou jornal que ouse atacar Moro e só aqui e alo se vê algum espaço sendo dado aos seus críticos, não se consegue atinar que tipo de “contrainformação”  está atingindo o “Santo da Mídia” (não confundir com o outro “Santo”, o da lista da Odebrecht).
Ninguém é perfeito. Sérgio Moro não é perfeito. Mas é incrível como podem conferir 37% de desaprovação para o símbolo de uma operação que escarafunchou a corrupção como nunca antes no País, revelou roubalheira de bilhões de reais e está mostrando que a Justiça finalmente não só deve como pode ser igual para todos. Logo, o juiz está enfrentando contrainformação.
Cantanhêde, que há poucos meses se derramava em elogios a Michel Temer ( “de romance, ele entende”) – como fazia antes a Aécio e Serra – não escapa sequer dos comentários do seus leitores, onde acha que ainda vai encontrar tucanos, dos quais foi muda por certo tempo.
Qual nada: o grande protesto nos comentários é porque ela não elogia Jair Bolsonaro, o candidato de boa parte de seus atuais leitores.
Um cheiro nada agradável que emanou dos apetites justiceiros do Doutor Moro.

Lula no deserto dos ventos

eolpi
Achando que é pouca gente para um comício de Lula?
Pois saiba que é em Marcolândia, uma cidadezinha piauiense de 8 mil habitantes no ponto mais alto da Chapada do Araripe, entre o Ceará, Pernambuco e o Piaui, a quase 750 metros de altitude.
É por isso que Marcolândia, apesar de sua pobreza, agora menor, contribui para a economia brasileira por abrigar um grande parque  gerador de energia eólica, concluído no Governo Dilma.
São 317 torres, que não implicaram tirar a terra dos agricultores familiares: eles alugam a empresa geradora, por perto de R$1.300, o direito de instalar as turbinas eólicas do maior parque gerador do Estado.
Com os seis anos de seca, a geração eólica, ontem, representou o triplo da geração hidráulica na região: 4,6 megawatt médios contra 1,5 MWmed das combalidas águas nordestinas, onde Sobradinho está com apenas 7% do volume do reservatório.
Os nossos moinhos de vento ainda são um quixotismo?
Marcolândia sabe que não. E foi para debaixo do sol do meio-dia para saudar quem começou a escrever  o progresso no ar.
Mas que não se escreve nos jornais.
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Barbosa: um nome à procura da classe média racional

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A entrevista do ex-ministro Joaquim Barbosa, conduzida pela inteligente Maria Cristina Fernandes, no Valor,  negando ser candidato mas se comportando como um faz lembrar, a quem o leu, o conto “O 22 da Marajó”, de Monteiro Lobato, onde um velho capoeirista agora convertido em “gente bem”, ensina que “não há solta sem negaça”.
Solta, explico, é a cabeçada forte, sem usar as mãos, que derruba o cidadão alvejado e, claro, negaça é o movimento típico do balanço do capoeira, indo para um lado para golpear no outro.
Não se encaixaria melhor que a descrição da repórter:
 O homem tem discurso de candidato, intenção de voto de candidato e biografia de candidato.
– O senhor é candidato?
– Não, não sou.
A negativa, curta e sem demora, era previsível. Se Joaquim Barbosa vier a ser candidato, não tem motivos para se antecipar ao calendário.
Dizendo que não é candidato, permite-se ser um perfeito tucano ao apontar caminhos para a superação da crise econômica, ficando num vago privatismo onde as empresas invistam por sua própria conta (quais, ministro, antes e quais agora, depois da Lava Jato?) e afirmando que reformas como a trabalhista e a previdenciária são – como todos sabem que são – importantes mas “talvez não com essa visão ultraliberal que se quer implantar, que mexem no cerne do pacto social”.
Em qual pescoço de gato vai ser preciso colocar o guizo, Barbosa não diz e responde à perguntas sobre como enfrentar as corporações, “a começar daquelas do Judiciário” dizendo que isso se fará “com liderança política, um presidente forte, legítimo, fortalecido pelo voto popular”. Se é verdade que é assim, falta dizer como o Judiciário paralisará tudo o que ferir seus privilégios.
Despreza Lula sem agredi-lo expressamente – e reconhece a condução política da Justiça contra o ex-presidente -, apenas aconselhando que se aposente e gaste o que ganhou em palestras:
“Acho que ele não deveria ser candidato. Vai rachar o país ainda mais. Já está em idade de usufruir da vida e do dinheiro que ganhou com suas palestras. Só que o estão empurrando para ser candidato, com essa cruzada que o coloca contra a parede. É um ódio irracional esse que apareceu no país”.
Em condições ideais, talvez pudesse ter razão e em nada eu duvido que Lula até pudesse preferi-lo.  Mas a gula da direita, desde 2013, pela “solução” golpista o empurrou – até tardiamente – para isso e, agora, é tarde demais para isso.
Pois, como registrou ontem a própria Dilma Rousseff, o que o golpe conseguiu foi erguer Bolsonaro e destruir o PSDB, ao qual só resta agarrar-se a uma versão chique do ex-capitão.
Como não mergulhou de cabeça no golpe – “O Brasil teve um processo de impeachment controverso e patético e o mundo inteiro assistiu” – conserva-se como gosta de estar, como alternativa palatável à parcela da classe média que ficou fora da histeria e crê estar fora da polarização.
A pergunta é o quanto restou de sanidade e se é possível responder ao dilema que Maria Cristina descreve ao final de seu texto, de forma magistral:
No seu romance mais político (“Numa e a Ninfa”), o escritor brasileiro da predileção do ex-ministro, Lima Barreto, constrói no personagem de um deputado arrivista a síntese do que chama de “pavor nacional do dia de amanhã”. É este o clima que invade a pré-campanha de 2018 num país bestializado pelo governo Michel Temer e pelo arregaço de suas instituições. Há mais de dez anos, a magistratura comanda o espetáculo com o qual a política tem um encontro marcado em 2018. Lima Barreto foi um dos melhores intérpretes de um país que transitou para a alforria e para a República, sem liberdade ou cidadania. Dizia que o Brasil não tem povo, tem público. É entre um e outro que Joaquim Barbosa parece hesitar.
A legitimidade na qual Barbosa diz apostar ser a chave para mudar não virá, certamente, de um público, personagem passivo e nem sempre tratado como “respeitável” no espetáculo do qual ele foi um dos pioneiros.
Legitimidade, nesta conflagração, depende de povo, este ser mítico que só aparece nos jornais quando se trata de CCC: crime, carência e catástrofe.

Estadão admite “rombo” ainda maior. Sem crescer, não há equilíbrio

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A manchete do Estadão de hoje assume o que vem sendo dito por todas as pessoas que analisam a economia sem o “tem que dar certo” com que a sabujice que jornalistas, economistas e operadores financeiros dala no tal “equilíbrio fiscal” que seria a grande obra do atual Governo: a “nova meta” já  nasceu ferida de morte.
De janeiro a julho, o governo federal arrecadou R$ 38,5 bilhões a menos de impostos e contribuições federais em relação ao programado no Orçamento, segundo dados do Tesouro Nacional obtidos pelo Estadão/Broadcast. Nos cálculos para chegar à nova meta fiscal, que prevê um rombo de R$ 159 bilhões em 2017, o governo estimou uma frustração de receitas de R$ 50 bilhões para o ano inteiro. O problema é que 80% desse total já se confirmou até julho.
Ou seja, “sobram” R$ 15 bilhões em receitas menores que as previstas – e todas as previsões de receita erraram “feio” até agora – num cenário onde o “parou de cair” que se comemora – como agora, com esta alta do PIB provocada por uma leve reversão no consumo das famílias (ajudada pela queda da inflação, pelas liberações de recursos do FGTS, etc) e pelo bom desempenho do setor agrícola (ajudado pelos preços internacionais), que têm baixo reflexo na arrecadação.
Os meses que restam no ano são cruéis em matéria de despesa pública, independente do estado da economia.
A paralisia da máquina pública se tornou, agora, inevitável.

Paralisia à vista. O que é bom, dado o caminho em que vamos


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A contagem regressiva da última flecha de Rodrigo Janot começou, e abertamente.
Não apenas com o “requentamento” da suposta declaração de Lúcio Funaro de que recebeu de Joesley Batista para ficar calado na prisão como pela notícia, lateral, de que a Polícia federal teria recuperado novos trechos da gravação do dono da JBS onde aparecem, como seus interlocutores, um ministro  de Michel Temer e um senador da base governista, informa Monica Bergamo, na Folha.
Se a quantidade de bambu da flecha não foi um fiasco, escreva aí que temos mais um mês, pelo menos, de impasse em qualquer matéria em votação na Câmara.
Os negociadores de barganhas no parlamento – a começar pelo Refis, que querem seguir o rumo da anistia dada aos devedores do Funrural – esfregam as mãos.
A possibilidade de aprovar a agora já quase esquecida reforma da Previdência vai se tornando não apenas pequena, mas minúscula.
A eleitoral, que exige quorum de Emenda Constitucional (308 votos) é dada como morta .
A tributária, ao menos no que seja importante, tem atestado de óbito passado em cartório.
Como disse antes, a flecha final de Janot, é certo, não terá efeito jurídico.
Mas o efeito político, este sim, já começa a acontecer mesmo antes de disparada.
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Meirelles e o Consenso de Washington (3, final) Por Samuel Pinheiro Guimarães

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Na terceira e última parte de seu artigo, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães descreve o inevitável cenário de exclusão que a continuidade de um projeto neocolonial de desorganização de uma sociedade com 15 ou 20% de cidadãos e o restante de excluídos.

A consequência? A selva social

Samuel Pinheiro Guimarães
O elevado grau de urbanização da sociedade brasileira torna necessária a existência e a expansão da indústria, que é o setor dinâmico de qualquer economia desenvolvida de grandes dimensões.
A mecanização da agricultura de larga escala voltada para a exportação não gera empregos suficientes e expulsa mão de obra do campo para as cidades o que agrava a situação da população urbana em termos de emprego, habitação, saúde, educação etc.
A tendência à automação e à robotização no setor industrial, sem nenhuma política para enfrentar este desafio, faz com que, ainda que haja aumento da produção, se reduza a geração de empregos industriais.
A inexistência de uma politica de exportação de produtos industriais, que inclua a participação ativa das empresas estrangeiras, e o permanente ingresso de capitais estrangeiros necessários para equilibrar o balanço de pagamentos, devido ao déficit estrutural nas contas correntes, gera uma perspectiva de crise cambial futura, apesar das reservas significativas atuais.
A concentração de renda e de riqueza tenderá a se aprofundar continuamente assim como as demais disparidades internas e vulnerabilidades externas. A violência urbana e rural tenderá a se agravar de forma significativa.
Os detentores de grandes fortunas tenderão a se tornar absenteístas, isto é, passarão a residir no exterior como já ocorre em relação a muitas de suas famílias e herdeiros.
O Programa econômico do Mercado executado por Henrique Meirelles consolidará a situação do Brasil como produtor e exportador de produtos primários agrícolas e minerais, em especial de petróleo, e como território de exploração de mão de obra com a instalação de megaempresas multinacionais para explorar um mercado interno de tamanho médio, cerca de trinta milhões de consumidores, mas que é maior que o mercado interno de muitos países europeus (em número de consumidores), cercados estes 30 milhões por 170 milhões de uma massa anômica de desempregados, subempregados e miseráveis.
As duas primeiras partes estão aqui e aqui.