sábado, 9 de fevereiro de 2019

O juiz que virou caricatura de meganha

O criminalista Luís Francisco Carvalho Filho publica, hoje, na Folha, o patético retrato da submissão de Sérgio Moro ao faroeste defendido por Jair Bolsonaro para a questão da criminalidade.
Cada juiz criminal brasileiro está virtualmente obrigado a relevar os nada raros excessos policiais. Um ou outra exceção virá, talvez, quando a vítima da violência for de classe média e tiver visibilidade como pessoa, não como “elemento”.
Pior ainda é que uma grande parte da magistratura aderiu a ideia de que, agora, é “xerife”.
Moro ainda não chegou ao ponto de seu colega Witzel, que manda ” mirar na cabecinha e… fogo!”
Mas chegará.

Ilegítima defesa

Luís Francisco Carvalho Filho, na Folha
Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro (PSL) externou várias vezes o sentimento de que o policial tem mais medo do capa preta do que do bandido.
Capa preta é a visão caricata do juiz encarregado de decidir, a posteriori, de cabeça fria e de modo insensível, se o agente de segurança agiu ou não criminosamente em conflito armado.
O candidato prometeu projeto de lei para que policiais não sejam responsabilizados por “excessos”, se, por exemplo, após uma missão, “no dia seguinte, aparece gente morta com três, quatro tiros”.
Para agradar o presidente, ajudando-o a cumprir promessa eleitoral, ao mesmo tempo em que acena para a bancada da bala que atua no Congresso, Sergio Moro, apesar da origem capa preta, incluiu no projeto anticrime uma mexida imprópria no conceito de legítima defesa, tão clássico e enxuto.
Quer alterar o Código Penal para permitir o perdão do excesso doloso ou culposo decorrente de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Policiais modulados por medo, surpresa e violenta emoção?
O profissionalismo policial aponta justamente para a direção oposta, estimulando reações destemidas, precisas e racionais na luta contra o crime.
Não é privilégio brasileiro a disputa em torno da punibilidade do agir repressivo.
Série de reportagens do site Vox, publicada em novembro, mostra que agentes norte-americanos matam muito mais do que agentes de outros países ricos e que não são frequentes, também nos EUA, processos, punições e encarceramento de policiais acusados de atitude racista ou abuso de poder.
A própria permissividade da posse de armas por civis resulta em percepções subjetivas de ameaça à integridade física de policiais e vítimas, ampliando o potencial de agressividade dos confrontos.
Para Sonia Sotomayor, indicada por Barack Obama para a Suprema Corte, o recente reconhecimento de uma imunidade qualificada para policial assassino do Arizona amplia a aceitação do postulado “atire primeiro e pense depois”.
O texto apresentado por Moro ao país, durante a internação médica do presidente da República, dá a todos (agentes policiais e pessoas comuns) a possibilidade de redução da pena ou perdão por eventuais excessos na defesa da integridade física própria ou alheia.
Mas o propósito é proteger agentes de segurança eventualmente arbitrários e reduzir o risco de interpretações judiciais adversas: deixa a polícia “trabalhar”, sinaliza o ministro da Justiça.
A proposta de Moro retira do capa preta e dá para o delegado de polícia o poder de relaxar a prisão do colega de trabalho, preso em flagrante por excesso doloso ou culposo em conflito armado ou em “risco iminente” de conflito armado, sem prejuízo da investigação cabível.
Se o pacote anticrime for implementado, haverá, de fato, mais rigor penal no Brasil.
Bolsonaro não prometeu “entupir a cadeia de bandidos”?
As cadeias já estão entupidas de bandidos e de miséria e, provavelmente, o número de prisioneiros crescerá.
A mensagem oficial tem um viés estrábico.
Corrupção policial — problema grave em muitos estados brasileiros — aparenta ser menos perigosa que corrupção política. O aumento da letalidade na ação repressiva não importa. O abuso de autoridade permanece impune.
O crime policial (da violência ao enriquecimento ilícito) não faz parte do pacote anticrime de Sergio Moro.
Na fantasia política de Bolsonaro, bandido merece morrer e policial não merece processo.

A tragédia que poucos choram: a dos meninos “bons pra bala”

No mesmo dia em que 10 meninos tiveram uma morte horrível nos contêineres onde o Flamengo os alojava, prisioneiros do sonho de se tornarem jogadores profissionais de futebol, 10 rapazes tombaram para sempre, também, sob o fogo das armas da PM, numa estreita ladeira, a rua Eliseu Visconti, que liga Santa Teresa ao Catumbi, ou deveria ligar, porque há vinte anos todo o bairro sabe que está ali “o movimento” do tráfico de drogas, com seus “acertos” com a polícia e poucos transitam nela, sobretudo na partes mais baixas.
Sim, os rapazes, ou a maioria deles, eram traficantes. Não se vai aqui glamorizar fatos.
Mas também é fato que não nasceram traficantes e, mesmo com idades bem parecidas, não foram garotos cheios de sonhos como os que perderam a vida no “Ninho do Urubu”? Entraram para o único time que lhes dava acolhida, o do crime.
Como também é fato que foram executados dentro de uma casa, quando estavam se rendendo aos policiais, o que fotos, relatos e circunstâncias apontam, inclusive o macabro “socorro” prestado, o de levar os corpos ao hospital, para “desfazer o local” e impedir a perícia.
Perícia para que?
Ana Luiza Albuquerque e Thaiza Pauluze relatam na Folha:
Segundo o relato [de uma moradora], quando seu filho virou-se de costas para negociar a rendição com o grupo, agentes atiraram contra ele. “Deram um tiro nas costas. Furaram meu filho todo. Não me respeitaram em momento nenhum, nem meu filho de oito anos. Falou na cara do meu filho: ‘bem feito’.”
A mãe também disse que os policiais tentaram impedir que familiares entrassem na casa para identificar os corpos. 
Outro familiar de dois jovens mortos afirmou à Folha que ambos eram envolvidos com o crime. Contudo, declarou que os dois se entregaram e foram mortos pelos policiais ainda assim.
Não é o que mandam fazer aos que não são “humanos direitos” e não têm, portanto, direitos e nem humanos devem ser?
Julita Lemgruber, ex-ouvidora da Polícia e hoje coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes resume:
“Está muito claro que a licença para matar entrou em vigor, mesmo antes da legislação do [ministro Sérgio] Moro. Simbolicamente isso já está sendo operado na prática. O policial se sente encorajado a matar, com a justificativa de ter sido tomado por violenta emoção”, afirma Lemgruber.
Eliseu Visconti, o pintor que dá nome à rua onde ficava a casa trágica, pintou há 130 anos “Uma rua de favela”, a imagem abaixo, obra que era um dos tesouros da coleção de D. Lily, viúva de Roberto Marinho, talvez pintasse ontem um doloroso “O vermelho e o negro”, sobre a foto de  Pilar Olivares, da Reuters, delicado retrato da rubro-negra desgraça de um único dia.

Os meninos não morreram por falta de alvará, foi o dinheiro

Os meninos do Flamengo não tiveram uma morte horrenda por “falta de alvará”.  Falta de alvará não pega fogo em alguns segundos, falta de alvará não impede que garotos daquela idade, atletas,não tenham chance de fugir de um incêndio que se inicia, falta de alvará não transforma aquelas crianças no que viraram, mercadoria estocada em contêineres para ser vendida, daqui a pouco, a peso de ouro.
Pois foi isso que matou os moleques bons de bola: serem bons de bola e o fato de o Brasil ter voltado a ser um exportador de commoditieshumanas, cavadas por toda a parte e “peneiradas” por uma associação entre clubes de futebol e “empresários” picaretas, à procura do que possa dar lucro, lucro grande, milionário, com meninos que. com sete, oito anos, são privados da infância porque, além de representarem esta possibilidade, representam também a possibilidade, decerto a única, de tirar a família da pobreza.
Sob os olhos complacentes da mídia, este garimpo se desenvolveu. Distribuíram-se “franquias” de “escolinhas de futebol” pelas periferias e pelo interior, com pouco ou nenhum interesse desportivo ou educacional, mas sempre atentas a um garoto que “pode dar caldo”. De lá, acabam indo para as “peneiras finas”, como a que se incendiou na madrugada de hoje.
Semana passada, por acaso, dirigindo, escutei um programa na CBN onde o ex-jogador Zé Elias e dois psicólogos do esporte falavam da pressão sobre os garotos que vão ser filtrados. E como tudo o que importa é o “corte” que faz, de cem, virarem três ou quatro.  Em nenhum momento se destacou a formação de guris que eram pré ou adolescentes, exceto pelo que tentavam administrar, cheios de medo, das relações com dinheiro e ambições. Escola não era um elemento significativo nas narrativas.
Nada contra o talento, ainda mais para quem, desde criança, embora sem tê-lo nos pés, sempre gostou do futebol bem jogado. Mas tudo em favor das crianças, que não podem ser tratadas assim. Não podem ser apartada das famílias, de seu ambiente cultural, de suas âncoras de formação da personalidade.
Não pode haver o “colégio interno de boleiros”.
A falta de alvará e as 30 autuações do “Ninho do Urubu” só importam por revelarem a cumplicidade com que são tratados os grandes clubes de futebol, porque isso nunca foi notícia, porque a ninguém interessava indispor-se com um grande clube, assim como não havia quem fosse se indispor com a Vale.
O que matou os meninos, está evidente, foi morarem dentro de um contêiner de porta minúscula, forrado de plástico que “lambeu” como o papel fino de um balão japonês.
Não faltavam, na construção do “Ninho do Urubu”, profissionais e técnicos que dissessem o quanto aquilo era inseguro. Mesmo que fosse para tratar crianças como mercadorias preciosas que eram, para os donos da bola.
Se são preciosos, não podiam ser empilhados sem zelo.
Sem o amor e o cuidado que toda criança merece.

O mal deve vir rápido, porque já o percebem

Corre nas redes a frase de Rodrigo Maia, de quem pouca noticia há dos tempos em que era um trabalhador, não um deputado, dizendo que “[todos] conseguimos trabalhar até 80 anos ou 65 anos”.
É coisa mesmo de “filhinho de papai” que nunca deu duro no batente.
E não é só porque aos 65 anos o pedreiro, o servente, o carregador, o trabalhador braçal já não tem forças para suas tarefas, nem o comerciário suporta o dia inteiro em pé, como não aguentam o do professor, também com as cordas vocais arruinadas, nem a mulher que carregou a criação dos filhos sem babás ou empregadas como as que o ex-garoto pimpão que preside a Câmara teve.
É porque aos 50 – às vezes antes – o cidadão e a cidadã sem padrinhos ou cargos públicos passa a viver o terror de que, se o demitirem do trabalho que tem, dificilmente haverá outro que o aceite.
Maia fez esta declaração para sustentar a desnecessidade de uma regra de transição, seja para a aposentadoria após os 65 anos de idade, seja para o aumento do tempo de contribuição, crueldade que nem mesmo na proposta de reforma de Michel Temer se ousou pensar.
Aposentadoria, no Brasil, não é prêmio, algo que basta ver os níveis dos proventos de imensa maioria dos cidadãos, salvo os pagos àqueles que  ocupam cargos nas corporações de Estado, quase todos eles, aliás, com rendas suplementares.
O furor dos economistas e políticos “do mercado”, porém, está conseguindo reverter, em poucos dias, o que a propaganda longa e  avassaladora da mídia sobre uma reforma dura na previdência ser a única forma de que o Brasil sobreviva vinha conseguindo.
Nas conversas de rua já se começa a observar que as pessoas percebem que elas pagarão caro para que outros ganhem.
E que a reforma de Bolsonaro já pinta pior de “a do Temer”, que não houve.
Daí a pressa, desesperada pressa, para aprovar medidas que, na prática, só começam a surtir efeitos em médio e longo prazos.
O mal, já o percebia Maquiavel, deve ser feito rápido e de uma só vez.

Gilmar denuncia a Toffoli devassa em suas contas. A máquina avança sobre o STF

Flor que se cheirasse, há anos, sabe-se que Gilmar Mendes não é.
Ficou famosa a reação de Joaquim Barbosa dizendo que ele falava como quem se acostumara aos “seus capangas lá do Mato Grosso”.
Mas Gilmar sempre foi “conveniente”, até que, “feito o serviço” em relação ao PT, começou a tentar colocar limites à República de Curitiba.
É um dos ministros que deve causar problemas a Moro, no julgamento inevitável da constitucionalidade de seu “pacote” de leis.
Por acaso, apenas por acaso, a  Receita Federal abriu um procedimento para identificar  “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” dele e de sua mulher, Guiomar Mendes.
Nos trechos que a Folha divulgou, é sugerido também o envolvimento de outros ministros do STF, que “facilitariam” julgamentos.
Gilmar se queixou a Toffoli, que se queixou a Paulo Guedes, que não queima dinheiro e vai agir para acabar com a audácia.
Não se sabe o que permanecerá do caso, se ressentimento ou gratidão.
Mais provavelmente, será – e não só em Gilmar, mas sobre todos os ministros – o sentimento de medo.

O nome não é sorte, Noblat

Em sua coluna na Veja, Ricardo Noblat diz que Flávio e Jair Bolsonaro “são dois homens de muita sorte” por não ter “vazado a informação” de que o “Filho 01” estava sendo investigado por suspeita de enriquecimento ilícito e por não ter se ficado “sabendo à época da ligação deles com milicianos”.
Sim, porque Flávio começou a ser investigado em maio, cinco meses antes da eleição de outubro.
Ressalve-se a ironia do “sorte” usado por Noblat, mas passou da hora de apenas sugerir que para uns se vaza tudo, para outros, o sigilo permanece até que os fatos se consumem.
É inacreditável que os protagonistas dos escândalos de movimentações financeiras milionárias não tenham, sequer, sido levados a prestarem esclarecimentos.
Na mesma Veja, relata-se o desaparecimento de todos os personagens envolvidos no caso: casas e apartamentos fechados, correspondência acumulando-se nas portas, outros negócios abandonados, sumidos na lama que escorreu das contas de Fabrício Queiroz.
Quando será que os promotores do Ministério Público se dignarão a começar as buscas?

Ciro, o coqueiro-anão, verga-se aos ventos e vira ‘minion’

A volta de Ciro Gomes à política que ele abandonou no período decisivo para o país causa tristeza e constrangimento.
O povo brasileiro, derrotado por uma avalanche de histeria criada pela mídia e pela justiça, ameaçado por um governante que a todos inspira medo do autoritarismo, da perseguição política, do obscurantismo das ideias, não merecia ver uma de suas referências políticas reduzir-se ao comportamento de garoto birrento e mimado.
Ciro pode ter todas as divergências do mundo com o PT. É legítimo. Mas o que está fazendo com declarações estúpidas e grosseiras – como gritar, histericamente, que “Lula está preso, babaca”.
Houve e há muita gente presa sem que isso represente vergonha. A história da humanidade está mais cheia de heróis presos, talvez, do que reverenciados pelo poder.
Ciro oscila entre a mesquinhez e a burrice. Mas sempre dentro da sua pequenez, como quem não consegue entender a política como um processo social, muito mais que pessoal.
Ou como a austeridade não se confunde com moralismo barato.
Convivi, por mais de 20 anos, com um homem de práticas austeras como jamais vi na política e que nunca desceu a este udenismo de ocasião.
Ciro diz que o admira mas não tem o sentido da história e, por isso, jamais consegue pensar em ponto grande.
Infelizmente, isso não é tudo o que se pode dizer de suas atitudes.
Bater nos indefesos e perseguidos é coisa de gente mesquinha e deformada.
Comemorar, mesmo que indiretamente, a prisão e a nova condenação de um homem de 73 anos, virtualmente atirado a terminar seus dias numa cela, ainda mais quando este homem foi seu parceiro, seu chefe e que era – ou ao menos pensava ser- seu amigo,  é algo que não merece palavra menor que sórdido.
Não à toa veio pretender liderar o PDT após a morte de Brizola, não antes.
Tal como Cristovam Buarque tentou fazer, para tornar-se, hoje, uma figura melancólica.
Nenhum dos dois estava disposto a resistir à Síndrome de Estocolmo e sestrosos, apaixonarem-se pelos que nos sequestram a mente.
Ciro Gomes é também um homem condenado ao limbo da microscopia. Jamais será aceito pela direita, avança a passos para ser desprezado pela esquerda.
Mas o que é fatal é mesmo sua capacidade adquirida de ser entre as palmeiras que se vergam ao vento dominante, um coqueiro-anão.

Mateus, Drummond e o leiteiro que morreu

Mateus  Batista Rodrigues, de Goiânia, subiu ao telhado com a agilidade de seus 22 anos, para instalar um aparelho de ar condicionado, destes de “unidade externa”, na casa de uma senhora, que, caprichosa, na certa não queria o monstrengo na fachada.
Como o moço de Drummond, que era  leiteiro, acordava bem cedinho para distribuir leite bom para gente ruim, Mateus levava ar fresco para gente de cabeça quente, como há tanta neste país.
Tinha um ano apenas a mais que o leiteiro do poeta, moço morador na Rua Namur, empregado no entreposto, com 21 anos de idade, e decerto não sabia bem quanto bem faria,  pondo talvez amores onde antes haveria suores e maus humores.
Também não sabia, como o leiteiro, que havia um vizinho assustado, daqueles que, diz o mestre,  logo faz saltar da gaveta para a mão o revólver, porque ladrão se pega com tiro.
Ainda mais, porque era guarda, e guarda sempre ele tinha razão.
E Mateus, do mesmo jeito, estatelou-se no chão. Em lugar do leite e sangue com que Drummond fez a cor da aurora, talvez os canos de cobre que emendava tenham cintilado como o sol que seus olhos viram sumir, devagar, num reverso de amanhecer.
Deu mais sorte o goiano que o mineiro, está brigando num hospital para, de pulmão perfurado, respirar por sua, quem sabe, longa vida, porque a dona do telhado impediu o segundo tiro.
O vizinho assustadiço, no poema de Drummond, foge pra rua: “Meu Deus, matei um inocente./Bala que mata gatuno/também serve pra furtar/a vida de nosso irmão.”
Este outro vizinho também fugiu, mas talvez sem doer-lhe sequer a consciência: “Quem manda andar lá por cima/onde só os gatos vão/Menino apanhando pipa/é aprendiz de ladrão.”
E acabou a poesia, porque o seu juiz mandou: susto, medo, emoção ou surpresa perdoam o furo em Mateus, que não mais galgará telhados para trazer o ar fresco, tão bom quanto o leite fresquinho do leiteiro.

Lula e o Brasil da esperança que vai morrendo

Há menos de dez anos, discutíamos o progresso, os avanços do país, jovens pobres e negros ingressando na Universidade, pobreza minguante; até uma marca de uísque fantasiava um gigante de pedra erguendo-se, uma revista estrangeira dava jatos ao Cristo Redentor, rumo ao céu.
Hoje, falamos de mais armas, mais cadeias, de menos  direitos, de aposentadorias e pensões menores que o mínimo, de trabalhar até morrer e de deixar para os filhos um trabalho quase escravos.
Muitos, cujo ódio lhes habita a alma, banidos dela qualquer sonho ou compaixão, festejam os tempos de moralidade, onde a corrupção não mais assaltaria os dinheiros públicos, permitindo as escolas, estradas e hospitais “padrão Fifa”, tão inexistentes quanto o tal “padrão”, que só encobre negócios milionários dos flamantes picaretas que dirigem o futebol-marketing.
É terrivelmente verdadeira a questão que Laura Carvalho coloca em seu artigo, hoje, na Folha:
Independentemente do peso atribuído às múltiplas causas da crise – entre erros de governos e choques externos e internos -, fica uma sugestão para as agências de checagem: quanto representa o custo total para os cofres públicos atribuído a atos de corrupção nas investigações em curso em relação ao déficit público ou à queda no PIB de 2015-2016?
Assim como os ataques a imigrantes, vendidos como “ladrões de emprego” nos EUA e na Europa, a “roubalheira do PT” como causa da crise é apenas uma simplificação sórdida forjada para alimentar uma parte da população sedenta por identificar o grupo de culpados a ser combatido. 
A esta altura, a humanidade já deveria ter aprendido que uma mentira, por ser repetida mil vezes, não se torna verdade.
Não, Laura, isso não foi e nem será aprendido nestes tempos em que a principal atividade da mídia – pior, do pensamento único refeito da economia para o comportamento – é a de escolher culpados universais e salvadores que não salvam.
O que “atrapalha” o Brasil passou a ser tudo aquilo que produziu nosso parco desenvolvimento: o Estado, os direitos sociais, um mínimo de inclusão dos miseráveis, as liberdades públicas e as garantias individuais, a Universidade, os resquícios de uma pretensão a nos firmarmos como Nação.
Na “pauta de costumes”  – só de haver um troço destes já causa calafrios – quer-se o direito de carregar um trabuco no porta-luvas, definir a cor das roupas de “príncipes e princesas” que viverão no Reino da Selva e expulsar os “marxistas globalistas” que devem estar escondidos sob as carteiras escolares, ensinando que a terra é redonda e promovendo o turismo bestialógico.
Não há simbolo mais completo desta autofágica regressão do que o único que, nas últimas décadas, foi capaz de encarnar um Brasil tão grande como é esteja numa minúscula cela em Curitiba, só maior do que as idéias miúdas dos que vêem nisso uma “grande conquista” nacional.
O gigante deve voltar a ser pedra, muda, parada, inerte e, princialmente, mantido fora das vistas, para que não seja um monumento assustador na planície da mediocridade.
Trocamos sonhos por pesadelos, talvez por, de nosso modo, acharmos que desejos bastam para fazer realidades.

Não é ‘nova Previdência’, é nova escravidão

É inacreditável, mas começa a tomar forma aquilo que é a tal “carteira verde-amarela’ tão falada por Jair Bolsonaro.
Geralda Doca e Pedro Paulo Pereira, em O Globo, relatam que, como parte da reforma da Previdência, os senhores de escravo que nos governam querem implantar um regime escravocrata contra nossos filhos e nossos netos.
É uma coisa dantesca, monstruosa, que dá vergonha a qualquer pessoa decente.
Trabalho sem férias e sem 13° salário, entre outras “liberalidades”. E aposentadoria só com o que o próprio trabalhador puder poupar – nas caixas gordas dos bancos, é claro – para tirar uma “merreca” quando já estiver às portas da morte.
Não é exagero: um trabalhador que tem hoje 18 anos, ganha salário mínimo, na remota hipótese de “investir” os mesmos 8% que desconta hoje para o INSS terá de trabalhar nada menos que 52 anos, sem um mísero mês de desemprego, para se aposentar com um salário mínimo de renda, ao 70 anos de idade, às taxas oferecidas hoje pelos planos de previdência privada.
Isso num cálculo ideal, irrealizável na prática, porque haverá pensões, casos de invalidez e outros eventos que, se quiserem dar o nome de previdência a isto terão de ser minimamente cobertos.
Como não haverá férias e nem o “pingado” do 13° para sequer comprar o modesto frango de Natal, a vida passa a ter como única finalidade trabalhar como um escravo moderno.
Isso é inconstitucional, além de absurdo? Ora, é para isso que se monta uma base de cúmplices parlamentares para rasgar direitos que vêm de 80 anos no passado.
Claro que os canalhas que propõem algo assim não o fazem para seus filhos e seus netos.
Eles são de uma outra espécie: investidores, empreendedores, negocistas. Nada semelhantes à ralé que rala para viver, é claro.
O último que achou que eram gente está preso, sumido, desaparecido.