sábado, 13 de agosto de 2016

Infâmia

LEVA
Num ato que talvez tenha vindo do que lhe restou de digno dentro de si, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, aceitou uma única questão de ordem apresentada pelos adversários do golpe.
Ele acolheu o protesto da senadora Vanessa Grazziotin para que não se retirassem das notas taquigráficas da sessão de ontem as palavras infâmia e fraude.
Porque, no exame que os tempos farão sobre o que se passou ontem, a palavra infâmia será indispensável.
A política – e nossa habilidade ou inabilidade ao fazê-la – dissolve-se no tempo. O significado de nossos atos, não.
Aceitem-se todas as “acusações” políticas que se faz a Dilma – ingenuidade, vacilações, inapetência pelo jogo parlamentar –  mas pondere-se que, no seu segundo mandato, o comando da Câmara foi assumido pelo mais poderoso gangster da política brasileira nas últimas décadas, Eduardo Cunha.
Também se leve em conta que só tenha se dado conta da degola para a qual caminhava quando o  clima de perseguição instaurado no país já não lhe permitia uma mudança efetiva, embora desejada, como ficou claro com a demorada e bloqueada indicação de Lula para a Casa Civil.
Nas artes sombrias da política, isso explica o que se passou ontem.
Fora delas, nada explica o restante: um processo aberto por um ladravaz como Cunha, a admissão da acusação numa sessão que mais parecia um circo de loucos, a designação do pupilo do candidato derrotado, Aécio Neves, como relator do processo no Senado e um julgamento onde não vieram ao caso os fatos, apenas as opiniões.
Por último, ver o presidente do Supremo Tribunal Federal reduzido à condição de “mestre-de-cerimônia” do terrível arremedo de julgamento, se é que este nome pode merecer, em lugar do linchamento que foi.
É só o que explica que Lewandowski tenha, num último espasmo  de sua dignidade e consciência jurídica tenha preservado o registro da palavra infâmia.
Afinal, se ele não poderia ser julgador de tantos que a praticavam, ao menos restava-lhe o direito de julgar aquilo do qual ele próprio participava.

Nojo

traidores
Quando a gente vai ficando velho e a política já passou diante dos nossos olhos com todas as suas ilusões e fantasias, a gente não se ilude, ou pelo menos não se ilude tanto, porque não perdemos o desejo de que as coisas se deem corretamente e resultem no melhor para o Brasil.
Não é hora de analisar os erros e insuficiências do PT, de Lula e de Dilma.
Nenhum terá sido tão grave quanto o de aceitar a lógica do adversário e crer que a classe dominante brasileira poderia aceitar um modelo de desenvolvimento inclusivo por convencimento e não pela pressão das massas trabalhadores, deixada à mercê do controle remoto e do discurso moralista.
Ontem, mesmo vendo de rabo do olho aquela monstruosa sessão de “julgamento” acabei me deixando levar por um sentimento que dispensa muitas explicações, porque é visceral e nosso estômago tem supremacia sobre o nosso cérebro que racionaliza e o coração que tenta perdoar.
Difícil convencer nossas entranhas a assistirem quietas que tantos que se serviram de ministérios, de poder e prestígio nos governos Dilma e Lula, possam apunhalá-los e à democracia pelos pratos de lentilhas que Temer lhes dará.
Depois destes episódios é preciso serenar. Serenar não é ceder, é não nos devorarmos diante da derrota que está clara e desenhada,  embora o combate deva continuar.
Preciso, portanto, pedir aos amigos e amigas que tenham um pouco de paciência antes que eu volte a falar de algo que não pode despertar senão repugnância: ver o parlamento transformado numa sociedade de celerados que assalta, sob a cumplicidade das instituições, a soberania do voto popular.
Estamos entrando numa ditadura e não se enfrenta ditaduras com força cega.
A gente não é de ferro e tem hora em que o nojo, em todas as acepções que a palavra tem, não é bom conselheiro do olhar.
Daqui a pouco retomo o blog, assim que o corpo e a cabeça permitirem.

Pré-sal bate recorde e já é metade da produção da Petrobras

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A Petrobras extraiu 2,70 milhões barris de óleo equivalente (petróleo + gás) por dia no Brasil, na média do mês de julho.
Destes, 1,32 milhão vieram, a cada dia, do pré-sal. Seis por cento mais que em junho.
Metade – ou, se quiserem os puristas exatidão, 48,89%  – de toda a produção da empresa que, por sua vez, responde por 94% do petróleo extraído em nosso país e em suas bacias marítimas.
Será ainda mais nos próximos meses e seria muito mais se a Petrobras não tivesse atrasado duas plataformas, a P-74 – a da imagem acima –  e a PP-77, que só agora partiram do Rio para o Rio Grande do Sul onde vão receber as estruturas de convés. As duas só entram em operação em 2018, provavelmente, quando pelo menos a P-74 deveria começar a extrair óleo do megacampo de Beija-Flor (antes chamado Franco).
As duas plataformas têm capacidade para operar 300 mil barris diários de petróleo e deveriam estar produzindo este ano.
Os campos em desenvolvimento são suficientes para que o Brasil dobre sua produção de petróleo, sem a necessidade de vender uma gota de suas reservas, como já fez, mês passado, entregando o campo de Carcará.
Licitar áreas do pré-sal, neste momento de petróleo com preços baixos e sem o controle operacional da Petrobras, como se preparam para eliminar com o projeto de José Serra , é, sem meias palavras, entregar nossas reservas a quem sequer vai explorá-las mais rápido do que a Petrobras faria.
Vai, sim, é deixa-las como áreas estratégicas, das quais a cegueira entreguista abre mão, quem sabe em troca de quê…

Os pobres porcos do mato

cateto
O governo Temer é uma espécie de volta no tempo que não sei quanto tempo poderá conviver com o Brasil que, apesar de tudo o que lhe fazem, não pode ser forçado a viver no passado, se houver um mínimo de liberdade.
Estamos diante de um regime que precisa recolher, para compor-se, o que há de mais medíocre, picareta e imbecil para compor uma burocracia estatal.
Hoje, tivemos dois exemplos da inteligência ao rés do chão dos novos donos da burocracia.
O ministro (dos planos) da Saúde disse que os homens vão menos ao médico porque “trabalham mais” e são os “provedores do lar”.
O imbecil não sabe que há dados bastante detalhados sobre o que faz haver esta prevalência nas consultas feminina. Uma pesquisa do IBGE em todo o país, em 2013 – que mostra que esta diferença ( 78% das mulheres haviam se consultado nos últimos 12 meses, contra 64% dos homens) se deve em boa parte à persistência, na última década, do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher.
O outro foi o superintendente do Ibama, nomeado por Sarney Filho, que se vangloria de um churrasco de porco do mato, animal silvestre de caça proibida. Um advogado, provinciano, que debocha do órgão que o colocaram para dirigir, dizendo que que saboreia um pernil de caititu é só um retrato da mixórdia que ascende aos cargos de governo com essa turma do Brasil do século 19.
Felizmente, podemos nos tranquilizar. Estamos numa temporada de proliferação de porcos do mato.
Mas eles  não chegam a ser tão perigosos quanto os javalis do passado.

Cunha e fábula do burro falante

burrofalante
Diz a velha história que o homem chegou ao reino dizendo ser tão bom professor que até a um burro ensinava a falar. O rei mandou indagar-lhe se era verdade e se o faria por ordem real.
O homem confirmou e impôs condições: estábulo para o burro do Palácio Real, aposentos suntuosos e concubinas para si e uma bolsa-burrode mil patacas de ouro a cada mês. E prazo, porque  o burro, como sabia Sua Alteza, era burro e, sendo assim, era preciso um tempo longo, dez anos, para que o bichinho passasse a fluir no idioma reinol.
O rei concordou com tudo, mas disse que, se ao final dos dez anos, o quadrúpede não falasse, o pescoço de seu professor seria cortado nas escadarias do Palácio Real.
Trato feito, o “professor” da fábula – ao contrário dos da vida real – passou a desfrutar do bom e do melhor, embora não descuidasse de, todos os dias, falar pausada e silabadamente algumas palavras ao burro.
Até que um diz um rapazote, cavalariço que sempre assistia a cena, resolveu interpelar o “professor”, dizendo que todos sabiam que o burro não falaria.
-Meu jovem, disse o charlatão, não existe o possível e nem  o impossível. Só que e existe é o tempo, que mostra se as coisas se realizam ou não. Neste caso, o prazo me auxilia.
-Mas daqui a dez anos o senhor será degolado nas escadarias do palácio!
– Rapaz, daqui a dez anos são imensas as possibilidade de que o rei, eu ou o burro, um dos três esteja morto e nada do que se disse terá valor.
A cassação de Cunha – agora a Folha o descobre – ficará para “novembro”.
Ou, na prática, para as calendas, como há dois dias se observou aqui ao ver Rodrigo Maia acertar-se com Temer para “marcar” para uma esvaziada segunda-feira de setembro a votação na qual supostamente Cunha seria cassado.
Setembro não tem quorum, menos ainda em outubro, mês das eleições, em novembro a pauta estará cheia e dezembro é Natal e o espírito natalino proíbe estes espetáculos.
Caminhamos para ficar sem a Presidenta honesta e eleita e com o ladravaz que providenciou a sua deposição.
Por medo, muito medo, que o burro nada burro desta história, afinal, pudesse falar.

Temer sobe no salto e sinaliza que vai atropelar logo os direitos sociais

salto
A leitura da entrevista do presidente em exercício, Michel Temer, no Valor (acesso apenas a assinantes) é enfadonha como assistir ao desempenho de um canastrão: tudo é superficial, vaidoso e vazio de convicções e projetos de longo prazo.
A valorização cambial da moeda brasileira, por exemplo, que é uma grave ameaça ao pouco que tem funcionado a indústria brasileira – os ganhos da balança comercial apontam para uma desaceleração do superavit comercial significativa em agosto, mostra como a cabeça de Temer está mergulhada do egocentrismo:
Ontem veio um grupo aqui [de 15 grandes empresários e banqueiros] e um dos temas que conversamos era sobre isso [a supervalorização do real] Mas eles vieram aqui para dar apoio [a ele, Temer].
Temer acha que a legitimidade internacional que lhe falta – é só olhar seu abandono durante as olimpíadas – vai resolver-se magicamente com a votação do impeachment.
Vocês sabem que se o Senado vier a me confirmar, vou começar a fazer viagens pelo exterior. China, Nova York, Índia, países árabes… fiz viagens quando era vice e via que todo mundo queria aplicar no Brasil. Quando o governo estiver instalado e sem embargo de dizer que exerço a Presidência…
O descompromisso com responsabilidade fiscal fica patente nessa pergunta do Valor e  em sua resposta:
Valor: Há uma história de que o governo vai enviar um projeto de lei aumentando o déficit primário deste ano em R$ 25 bilhões. É verdade?
Temer: Nem sei se será necessário, mas isso jamais chegou aos meus ouvidos.
Como “não sabe se será necessário”?
No meio de uma confusão destas – quando se espalham previsões de queda na arrecadação e insuficiência das já gigantescas metas de déficit deste ano e de 2017, o presidente da República diz que “nem sabe” se é necessário um “rombo suplementar”?
Mas é na maldade da aposentadoria que Temer se supera em cinismo.
Diz que não vai esperar a eleição municipal para anunciar as mudanças para “não cometer estelionato eleitoral”. Como se não fosse estelionato não apenas deixar para anuncia-la após sua confirmação no cargo e, mais além, de enfiar goela abaixo do povo brasileiro uma reforma nos critérios de aposentadoria que nunca foi exposta à população quando se lhe pedia o voto.
E que reforma! Tudo é genérico, impreciso. Os 65 e  62 anos como idade mínima para homens e mulheres terem direito a se aposentar  – mesmo que completem antes o tempo de contribuição – são defendidos com o critério de “na minha cabeça”…
Na minha cabeça, tem que haver uma pequena diferença, se o homem se aposenta com 65 a mulher pode se aposentar com 62.
Na sua cabeça, claro, a idade para ele se aposentar foi de 55 anos. Estas idades foram calculadas com base em que? Quantas pessoas atinge, com que gravidade.
Na próxima semana espero, já com a saúde recuperada, postar uma série de informações sobre quem custa quanto à Previdência, e quanto os trabalhadores darão a mais de suas vidas, sobretudo os mais pobres, que começam a trabalhar mais cedo,
E ajudar, com exemplos e cálculos práticos e pessoais, cada leitora a ver o tamanho da monstruosidade que isso representará.

A Operação “Cozinhem o Galo” com Eduardo Cunha

trampolim
A esta altura, nem a mídia consegue disfarçar as evidências de que está em curso um plano para protelar até o indefinido a cassação do mandato de Eduardo Cunha.
Folha, candidamente, registra hoje que…
O discurso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que haverá quorum alto na votação do processo de cassação do mandato de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no dia 12 de setembro, uma segunda-feira, contraria a praxe na Casa.
Três dias para perceber o que todo mundo sabe, mas tudo bem…
A questão, agora, é o dos vários interesses que se acumpliciam nesta sobrevida: os do grupo de Cunha, que pretendem que o leve à absolvição e os de Temer e o dos tucanos, que preferem cozinhar o galo a fazer uma “pizza”.
No centro disso estão as emendas constitucionais que Temer e os tucanos precisam emplacar para tirar direito dos aposentados, acabar com as vinculações orçamentárias para a Educação e a Saúde.
Sem os votos que Cunha ainda tem, nenhuma chance de alcançar os 308 votos necessários para sua aprovação.
Mas Cunha, é claro, tem bons motivos para não entregar logo estes votos, que são seus trunfos e, portanto, têm hora certa de descarte.
Temer terá, portanto, de força-lo a jogar na mesa seu apoio ao arrocho e é por isso, com a bênção do Ministro da Polícia Federal, vai funcionar o Judiciário, provavelmente com novas pressões sobre a mulher de Cunha que, qualquer pessoa percebe, é beneficiária do dinheiro da propina, mas não cúmplice – até por falta de poder para isso – da execução da rapinagem.
Caminha por aí o jogo imundo da “moralização” da política brasileira.
Um jogo de ganhgsterismo, que arrastou, com grande prazer, a Justiça e a imprensa para a sua lógica e para seus interesses comuns.