sábado, 22 de junho de 2019

O perjúrio em flagrante de Moro

O diálogo revelado hoje por Reinaldo Azevedo, a partir das apurações do The Intercept, é melhor compreendido com um metáfora futebolística, como usei no post anterior, ao dizer que Moro havia “barrado” a procuradora Laura Tessler na audiência em que Lula seria interrogado:
12:42:34 Deltan – Recebeu a msg do moro sobre a audiência tb?
13:09:44  Não. O que ele disse?
13:11:42 Deltan-  Não comenta com ninguém e me assegura que teu telegram não tá aberto aí no computador e que outras pessoas não estão vendo por aí, que falo 13:12:28 Deltan (Vc vai entender por que estou pedindo isso)
13:13:31 Ele está só para mim. 
13:14:06 Depois, apagamos o conteúdo.
13:16:35 Deltan- Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
3:17:03 Vou apagar, ok?
13:17:07 Deltan- apaga sim
13:17:26 Apagado.
13:17:26 Deltan – Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão 2, e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição, sem mencionar ela
13:18:11 Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho fossem também. No do Lula não podemos deixar acontecer.
13:18:32 Apaguei.
O juiz – tente pensar em termos futebolísticos – orienta um dos times a não escalar ‘fulano’.
Confrontado com uma pergunta direta sobre isso, feita pelo senador pelo Mato Grosso do Sul, Nelsinho Trad seu apoiador, Moro, sobre se Moro “se o ministro, então Juiz, participou ou não da substituição ou troca de agentes protagonistas desta operação”.  Se “deu orientação para que agisse de uma forma ou outra, trocasse A, B ou C”.

MORO: O PECADOR E MENTIROSO...

Veja mostra passado de violência e sangue de Queiroz, o desaparecido

Reportagem de Fernando Molica, Leandro Resende e Jana Sampaio na edição desta semana da Veja, lança luz sobre o passado comprometedor do desaparecido assessor e “caixa” de Flávio Bolsonaro, o ex-PM Fabrício Queiroz.
Narra o assassinato nebuloso do técnico de refrigeração Anderson Rosa de Souza , morto em 2003 com tiros na cabeça, no peito e no abdome, praticado por  Queiroz  e pelo agora procurado Adriano Nóbrega, apontado como chefe da milícia de Rio das Pedras e cuja mãe e mulher foram empregadas no gabinete presidencial. Ambos disseram que foram atacados por Anderson.
Adriano foi defendido publicamente por Jair e Flávio Bolsonaro e agraciado com uma medalha, que recebeu na cadeia, preso por outro assassinato, o de Leandro dos Santos Silva, 24.
A ligação entre os Bolsonaro e Fabrício Queiroz, como admite o próprio presidente, remonta a muito antes destes episódios, mas diz a revista, foi formalizada em 2007:
Queiroz foi cedido formalmente pela PM ao gabinete de Flávio na Alerj. Os dois voltariam a dar uma mão a Adriano: Danielle da Nóbrega e Raimunda Magalhães, respectivamente mulher e mãe do miliciano [Adriano] , tornaram-se funcionárias sem crachá nem relógio de ponto do mesmo gabinete (coisa do Queiroz, garante o atual senador). Planilhas da contabilidade da milícia obtidas por VEJA mostram que, além do salário de 6 400 reais na Assembleia, Raimunda, a mãe do “Gordinho”, como Adriano é conhecido, recebeu entre 2017 e 2018 uma ajuda de custo dos cofres da quadrilha para pagar o condomínio.
A reportagem também detalha a morte de Gênesis Luiz da Silva, de 19 anos, morto com um tiro nas costas, no que Queiroz descreveu, claro, como outro ataque de bandidos a policiais.
E reproduz o termo de declarações da mulher do amigo presidencial onde Márcia diz que foi agredida  com “vários socos na cabeça, costela e braços” e que não havia sido a primeira vez. Como o amor é lindo, Márcia retirou a queixa.

Desespero do ‘morismo’ não esconde a sua queda inevitável.

O ridículo “Pavão Misterioso”, perfil falso no Twitter que, há dias, tentou envolver o vazamentos das mensagens trocadas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol ( e entre estes e outros integrantes da tal Força Tarefa da Lava Jato) ganhou agora uma versão impressa, na Istoé, o único veículo que topou se  agarrar sem reservas às incríveis  teorias de uma conspiração internacional contra o atual ministro da Justiça.
Dispensa, como o tal Pavão, que se a depene, tão frágil é. O próprio Glenn Greenwald resume no Twitter: “A conspiração insana se contradiz. O desespero é feio.”
O grave na história é que ela envolve a Polícia Federal numa suposta “caçada ao hacker” sem que sequer tenha sido estabelecido que houve umhackeamento, até porque não houve perícia, ao que se saiba, em nenhum dos aparelhos de telefone que teriam sido invadidos.
E, lembremos, uma Polícia que não só está envolvida até a medula em toda a conspiração denunciada como está sob as ordens diretas do cada vez mais evidente chefe da operação.
Creio que a atitude do The Intercept de partilhar o material, como anunciou Greenwald, com outros órgãos de imprensa, deve-se ao perigo real de que se use medidas de força para impedir sua divulgação.
Nem é preciso dizer que esta seria uma situação desastrosa para Moro mas, desastrados como são, não é algo que se possa descartar totalmente.
A estratégia da divulgação dos fatos segue, também, esta linha de preocupações. Como todos já perceberam, com a postura “amiga” da mídia, as dezenas de escândalos deste governo (e este governo é produto da Lava Jato) faz desaparecer do noticiário. Eles aparecem, submergem e só de tempos em tempos voltam com notícias esparsas.
Por isso, a revelação tem de ser lenta, cuidadosa, um fato por vez, para que tudo não seja lançado no esquecimento.
Lembrem-se de que se trata de alguém que foi erigido, numa heresia política e jurídica, à condição de um deus.
O processo será necessariamente lento e tenso.
Porque não é a construção de uma farsa, que é apresentadaa sempre com grandiosidade. Mas a reconstrução da verdade, que se faz passo a passo, tijolo por tijolo num desenho lógico.

Helena Chagas e a bolha de Bolsonaro

A jornalista Helena Chagas, em artigo no site Os Divergentes, parece partilhar da percepção que muitos observadores da cena política estamos tendo: a de que Jair Bolsonaro vai se tornando, cada vez mais, prisioneiro de sua própria bolha político ideológica.
Acrescento ao que ela diz, e muito bem, apenas um detalhe para que o leitor considere – e é algo que venho repetindo ao avaliar as pesquisas de popularidade: também no apelo público esta bolha está tanto se estreitando quanto se solidificando, perdendo a capacidade de ser permeável, absorver e crescer.

Bolsonaro se isola num governo com a cara dele

Helena Chagas, n’Os Divergentes
Prestes a completar seis meses, o governo Jair Bolsonaro está ficando a cada dia mais com a cara de Jair Bolsonaro. Não tem mais o perfil que parecia ter emergido das urnas de um governo dividido em núcleos igualmente poderosos – militar, político, econômico e familiar-ideológico – lutando pelo poder. Muito antes do que se pensava, um desses grupos venceu, e agora os demais ou se subordinam ou são postos para correr.
Bolsonaro não deixou margem a dúvidas sobre quem manda com as últimas demissões de generais em seu governo: Santos Cruz (Secretaria de Governo), Floriano Peixoto (rebaixado da Secretaria Geral para a presidência dos Correios), Juarez Cunha (ex-Correios) e Franklimberg Ribeiro (Funai). Além de afastar qualquer resquício de suspeitas sobre uma eventual tutela militar, o presidente mostra que a verdadeira essência do governo está representada pelo núcleo familiar-ideológico.
Entre os critérios que nortearam o afastamento de Santos Cruz – e certamente o de Floriano Peixoto, a ele ligado – estão o da desconfiança e o da intolerância com opiniões contrárias. Esses sentimentos, somados ao forte viés ideológico e à fixação no passado, estiveram também por trás da demissão de Joaquim Levy no BNDES.
É curiosa a forma como Bolsonaro elogia as qualidades de seu substituto, Gustavo Montezano, enfatizando aquela que, para ele, parece ser a principal missão do presidente de um dos maiores bancos de fomento do mundo: desbaratar uma suposta “caixa preta” deixada pelo PT. Uma gestão de olho no passado.
Bolsonaro colocou na secretaria-geral um major reformado da PM que tem como principal predicado trabalhar com ele há 15 anos e ser de sua confiança. Às vésperas da votação da reforma da Previdência – que, mal ou bem, vai passar -, anuncia a retirada da articulação política das mãos do político Onyx Lorenzoni para o general Luiz Eduardo Ramos.
A ala política estranhou o esvaziamento extemporâneo de Onyx. A cúpula das Forças Armadas está perplexa com o expurgo de seus melhores quadros.
Nada tem muita lógica, a não ser a da paranoia dos que se acham sempre no alvo de conspirações que enxergam em sua própria copa e cozinha. Formando um governo com os filhos e amigos ideológicos, regido pela teoria da conspiração, Bolsonaro vai se isolando.

A MISÉRIA VOLTANDO COM TODA FORÇA...

O jazigo

Não surpreendem a ninguém os números publicados pela Folha, com base em levantamento da prefeitura paulistana, que reveram ter quase dobrado a população de rua no centro de São Paulo.
Mais de 100 mil, ou muito mais, porque os próprios recenseadores admitem que não há como chegar a cada vão de viaduto.
“O número de indivíduos abordados não representa a quantidade de pessoas que vive de fato nas ruas. (…) há, por exemplo, moradores da periferia que passam dias e noites vivendo nas calçadas da região central em busca de doações, mas em parte do mês retornam a suas casas, pessoas que estão de passagem pela cidade, entre outras situações”.
Não é diferente no Rio e nem deve ser na maioria das grandes cidades brasileiras.
Qualquer um que passe pelas calçadas da Zona Sul carioca percebe que explodiu o número de pessoas deitadas sobre caixas de papelão e cobertas com trapos.
Mães com crianças, implorando aos passantes que lhes comprem um pacote de balas, homens pedindo que se lhes ajude a comprar uma refeição.
Não é novidade, não mesmo, mas era uma imensa e feia ferida deste país que vinha cicatrizando lentamente, como sempre é com as grandes chagas.
De alguma forma, timidamente, a sociedade, através do Estado – e, mesmo eu não sendo seu fã, admito, das ONGs – dava-lhes o remédio do trabalho e da consciência de que, sim, imundos, maltrapilhos, miseráveis, e, ainda que, como escreveu Drummond, estejam “vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem”,  continuam sendo seres humanos.
Desde o inverno da selvageria, já não são. São, oficialmente, va-ga-bun-dos, suspeitos da droga e do furto, quando não apenas incômodos a nos pedir um cigarro ou uma moeda.
Para prová-lo, dizem que só querem dinheiro, comida, sexo e bebida. Tudo o que nós, os “normais”, afinal, queremos, é o seu pecado.
Inclinam-se em ângulos as soleiras, para impedir que se sentem junto as vitrines do comércio, espetam-se com pedras ou tapam-se com blocos as pontes, para que não se deitem. Nem isso, o descanso precário e duro do cimento, podem ter.
Inútil, eles estão por aí, e por aí mais numerosos estarão a cada dia em que continuarem a dizer que este país precisa empobrecer para crescer, precisa viver pior para poder, num imaginário dia distante, viver melhor, precisa ser selvagem para ser seguro.
Assim como não os matarão, não matarão o sentimento que nos civiliza, o da solidariedade e o de sermos capazes de sofrer com o sofrimento alheio, como sofreu o adolescente que tirou o agasalho que usava num junho como este, há mais de 40 anos, para dar a um homem velho que tiritava de frio tendo apenas um muro frio proteger-lhe as costas. Perdeu a única vaidade de roupa que já teve, mas ganhou o que lhe aqueceria o peito por toda a vida.
Olhem a foto da Folha, que reproduzo.  São como corpos jazidos de uma guerra, de uma chacina.
Para muitos, com o defeito de estarem vivos, pois mortos atrapalhariam menos o  sossego público.
Mas não estão.
Um dia, deixaremos de ser maus e brutos, e meu país dará, de novo, a mão para que seus filhos se levantem.