sábado, 7 de setembro de 2019

Fez-se do Sete de setembro uma festa colonial

As datas nacionais, por toda a parte, costumam ser festa de congraçamento, aquela em que se comemora a comunhão de identidades e desejos, uma espécie da “Feliz Ano Novo” de uma coletividade, como no 1° de janeiro, acima de cores, credos, renda, idades e tudo o mais. Uma festa sem natureza religiosa ou de classe, de todos.
O golpe de 1964, que separou militares de civis foi, na história, o que começou a fazer se perder tal natureza democrática. Passou a ser o dia da “Parada Militar”, que aqui não carrega sequer o conteúdo de soberania, seja pelo alinhamento servil aos Estados Unidos, seja pela sua outra face, a tutela – para muitos desejada ou consentida – da sociedade pelo poder militar, em lugar de ser este a projeção da afirmação do país-nação.
Os 30 anos de democracia não foram capazes de fazer nascer, dentro das Forças Armadas, uma visão diferente desta tutelar, velha de quase um século e que perdeu, muito cedo, a rebeldia de sua juventude no tenentismo, trocando a causa da transformação pela obsessão conservadora.
Na esquerda, em vetor invertido, a adesão acrítica aos valores globais, expressa no identitarismo, deixou-se desbotar a bandeira nacionalista que sempre a marcou por um arco-íris de causas necessárias e generosas. Espertamente, o entreguismo apossou-se, como fantasia, de símbolos que sempre foram dela.
Neste processo, a alma nacionalista se foi, porque ser conservador, no Brasil, passou a confundir-se com a manutenção de um status-quo colonial, agora tão explícito que o presidente brasileiro, na primeira mensagem do Sete de Setembro, no Facebook, logo na primeira linha, saúda…os Estados Unidos.
Nama boa reportagem de Cristian Klein e Rafael Rosas, no Valor Econômico, o professor de Filosofia Renato Lessa descreve como nos sentimos a três anos de completarem-se dois séculos de independência:
“O que vejo no futuro imediato é a desconfiguração da ideia de nação. O Brasil deixa de ser um país e passa a ser um lugar, um território, para se fazer negócio, com um mínimo de regulação. Como era na época da colônia, quando o Brasil não era um país. Era um espaço de predação, inclusive no regime de trabalho, em que podia se usar mão de obra sem qualquer restrição”.
Para que possamos ser “plenamente” assim, completa ele, é preciso destruir o que remanescia do projeto nacional pós 1930. E Jair Bolsonaro é o portador deste “desprojeto”.
É curioso, em relação a uma matéria em que se procurava ouvir a resposta sobre “qual é o projeto para o nosso país?”, dois líderes militares do Governo, Augusto Heleno e Eduardo Villas Bôas e o Ministro da Economia, Paulo Guedes, não tenham respondido aos pedidos de entrevista.
Não é fácil dizer que se quer apenas ser uma boa, eficiente e bem-comportada colônia.
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Em tempos de estupidez, preconceito dá voto

Depois de Jair Bolsonaro, João Doria e, agora, Marcello Crivela apelam para seus “kits gay” de ocasião.
O governador paulista manda recolher 350 mil apostilas de 144 páginas porque, em meio a elas, três faziam a ousadia de dizer que a realidade e que o mundo não é feito apenas de homens-homens e mulheres-mulheres e que ninguém deve ser maltratado por isso.
O prefeito carioca, um descalabro administrativo como poucas vezes se viu, manda meganhas municipais recolherem uma revista de porque, num dos quadrinhos, dois homens se beijavam.
Claro que, por mais estúpidos que sejam, sabem que, com a internet, qualquer adolescente ou mesmo pré-adolescente tem acesso representações de sexo, escritas, desenhadas ou filmadas astronomicamente mais explícitas que as que mandaram apreender.
Até a minha geração, hoje nos 60, tinha, porque não havia uma sala de aula onde, mais cedo ou mais tarde, não circulassem as famosas revistinhas do Carlos Zéfiro, aliás Alcides Caminha, um pacato e anônimo (até que Juca Kfouri o fez revelar-se, já nos anos 90) funcionário público.
Ambas as publicações teriam passado despercebidas e, ainda que nada tenham de ofensivas, muito menos ainda ofenderiam os suscetíveis na obscuridade.
Aliás, a revista que escandalizou Crivella foi lançada em 2010 e nunca despertou revolta alguma, depois de vender centenas de milhares – ou até milhões – de exemplares no mundo inteiro.
E, se neles não havia nada de sórdido, nos dois governantes que armaram o factóide há, e muito.
São dois exploradores do sexo, na forma do preconceito. Seguem, sem nenhum pudor, a trilha imunda aberta pelo atual presidente, dono, aliás, de uma fixação sexual que todo dia se revela, quando se refere à política como namoro, noivado, casamento e até em “levar para o motel”, além do famoso “comer gente” de seu apartamento funcional.
A estupidez dá voto, nestes tempos de estupidez.
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Briga de sócios

O jornalista e escritor argentino Bruno Bimbi, em artigo na Folha de hoje, ajuda a compreender que não há divergência de fundo – apesar das brigas de poder – entre as áreas essenciais do governo Bolsonaro:
Bolsonaro terceirizou a política econômica, como outros presidentes, e o ministério da Justiça, entregue ao juiz que encarcerou Lula. Foram concessões políticas, uma porque tranquilizava “os mercados”, e a outra porque agradava parte da classe média. Mas mesmo esses ministros, mais qualificados do que a corte de lunáticos, fanáticos e incapazes que se mudaram para Brasília, partilham da vocação por destruir [de Bolsonaro], seja o estado de bem-estar social, no caso de Paulo Guedes, ou os direitos civis, no caso de Sergio Moro.
Diga-se, porém, em nome da verdade, que Moro e Guedes aderiram a Bolsonaro porque, ante a mediocridade do ex-capitão e à sua desconexão com as forças políticas tradicionais poderiam converter-se em “donos do pedaço” (coisa em que também pensaram os militares), não acreditando na capacidade do ex-capitão de estabelecer contatos próprios e força autônoma no cenário nacional, mesmo com a faixa presidencial.
Não era assim e, por isso, encolheram e ficam apenas nas marchas e contramarchas, transformando a sua permanência nos cargos como único meio que têm de conquistar migalhas decisórias.
Não se deram conta que a receita de destruição que perseguiam também é aplicada a eles e às estruturas que os sustentavam.
E que, entre eles, Bolsonaro até agora demonstra ser o único que sabe cozinhar.
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“Fogo ex-amigo” dos moristas sobre Bolsonaro pede ruptura

Se não fosse deprimente ver parte dos brasileiros entregue ao fanatismo, seria de rir o que está acontecendo nas redes bolsonaristas na Internet.
Aquele conhecido site de direita, a quem chamo – e acho que não poderei mais chamar – de O Bolsonarista – está repleto dos mais variados xingamentos ao “Mito” entre seus frequentadores e proclamações de “Moro 2022”
O seu guru, lá de Veneza, diz que “não vai durar” o casamento fracassado entre o Mito e o Moro.
Parte para cima de Augusto Aras, acusando-o de ter mentido e de ser sócio majoritário de um escritório de advocacia do qual dizia ser apenas consultor.
Nos fanáticos, a informação dada pela Veja de que a PF ameaçava Bolsonaro com um inquérito sobre seu valete Hélio – papagaio de pirata étnico que sempre acompanha o presidente – já evoluiu para acusações abertas de proteção a milícias.
Os “20% do meu pessoal” que o próprio Bolsonaro disse que estavam descontentes não estão assim, estão furiosos.
O problema é que não têm para onde correr, salvo para a boca aberta de João Doria ou para um suicídio de criar uma “terceira via” para a direita radical.
Torço apenas para que convoquem algum ato domingueiro para protestar.
E para que juntem, ao menos, gente suficiente para estender uma faixa: “Somos todos Marcelo Madureira” em Copacabana.

PAPO DIRETO AO ASSUNTO...

Lula: o capital quer que Bolsonaro destrua os direitos sociais

Em entrevista a Mino Carta e Sérgio Lírio, há um trecho que, infelizmente, não constou integralmente das transcrições publicadas pela Carta Capital.
Recomendo que se ouça, no vídeo publicado no Youtube, a partir dos 18 minutos, em que Lula, ao falar dos interesses em jogo hoje no Brasil toca no ponto em que, afinal, o governo Bolsonaro tem sido bem sucedido: o de desmontar todas os direitos sociais que o Brasil – mal ou bem, lentamente e de forma precária, é verdade – deu no sentido de transformar-se numa nação desenvolvida”.
Este projeto, o da destruição, é o cerne do mecanismo de opressão que tudo o que se faz, da economia até a segurança pública, no Brasil de hoje.
Deixe separada a entrevista para assistir com tempo, no final de semana, é muito boa. Mas estes três minutos são essenciais para que a gente não deixe de ver as águas profundas em que estão por baixo da pantomima bolsonariana.
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milagre?

O Super Homem de cócoras

A escolha de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República, ontem, deixou claro, já nas primeiras horas, que o esmagamento de Sérgio Moro terá, claro, um preço para Jair Bolsonaro.
A reação da corporação do MP – dura e disseminada – e de parte da matilha bolsonarista chegaram a assusta-lo, ao ponto de o levarem a fazer algo raríssimo: tentar justificar seus atos, ontem à noite, em sua live semanal.
“Pessoal que votou em mim, tem pelos menos 20% falando que acabou a esperança dele, que vai votar no (Sérgio) Moro em 2022. Pessoal, atire a primeira pedra quem não cometeu um pecado. Eu tinha que escolher um nome”
“Peço a você, que está esculhambando a gente, você conhece o Aras? Conhece os outros nomes? E, se conhece, é apenas por ter combatido corrupção, mas e as outras questões? Dá uma chance para a gente, meu deus do céu, não vai atirando. Se o pessoal sair atirando em mim sem dar oportunidade do Aras mostrar o seu valor, aí fica ruim a convivência. Eu devo lealdade ao povo, mas não é essa lealdade cega ao povo”
Sim, Bolsonaro piscou. É um general admitindo o descontentamento na tropa. Mas antes de julgar o que isso representa é bom avaliar a imagem que para ela se faz do antigo herói.
Os descontentes olham, desconsolados, o boneco do Super Homem murchar.
Moro recolhe-se ao silêncio, quebrado apenas por uma lacônica mensagem no Twitter, que faz questão de fixar que o o filho não é dele:
Definido o novo Procurador Geral da República, Augusto Aras, por escolha do PR @jairbolsonaro. Todos os desejos de que faça uma bela gestão.
Como diz, na Folha, Reinaldo Azevedo: ” Moro agora exercita o charme do mártir acuado e do profeta traído”.
Talvez, porém, já nem dependa dele mostrar que a vingança tomou conta do espírito morista. Duas semanas depois de Bolsonaro ter dito que se preparava um ataque a “alguém muito próximo dele”, a Polícia Federal fez vazar que o alvo é o deputado Hélio “Bolsonaro”, a quem o presidente chama de Hélio Negão, o adereço étnico que usa em suas aparições públicas.
Moro, porém, paga também o preço de sua necessidade de agarrar-se ao cargo para livrar-se do ostracismo político e, ainda, da “Vaza Jato”. Submeteu-se ao constrangimento de participar da live presidencial, falar brevemente dos vetos à lei de abuso de autoridade e sair assim que, numa combinação evidente, Bolsonaro “liberou” os integrantes da mesa, para não ter de ouvir os comentários sobre a escolha de Aras.
O jornalista Glenn Greenwald, no Twitter, descreve a impressão causada pela cena:
É como se Bolsonaro estivesse conduzindo um novo experimento psicológico sádico no Moro para determinar quanta dignidade uma pessoa está disposta a sacrificar para se apegar ao seu cargo público. Até agora, pelo menos no caso de Moro, a resposta é: tudo!
O ministro precisa se cuidar com o tipo de adjetivo que esta situação costuma merecer em ambiente de porta e botequim, como o deste governo.
Ao despedir-se de Moro, quando este deixou a live para entrar no opróbio, Bolsonaro ironizou: “Cuidado com o bicho papão”. Pois é, sinal que este bicho já não é Moro.

PRESENTE DE GREGO...

OPORTUNIDADE-UNICA

Guedes, o cafajeste, e a mulher do Macron

A classe dominante brasileira, que sempre foi egoísta, irracional, insensível, escravocrata e mais uma dúzia e meia de adjetivos que qualificam a sua incapacidade de reconhecer seu povo como seres humanos ganhou, nos últimos tempos, um outro, o de cafajeste.
Vá lá que Jair Bolsonaro, reconhecidamente um pitecantropo em matéria de convívio social – aliás cm confissões explícitas como a de “levantar a borduna” deixa isso claro – mas o Ministro da Economia, Paulo Guedes, voltar à baixaria presidencial dizendo que “a mulher do Macron é feia mesmo”, para gargalhadas de uma plateia de empresários é de uma imundície muito mais grave, porque ele, ao contrário de Bolsonaro sabe perfeitamente o que está fazendo.
Não que eu esteja fazendo o gênero de “politicamente correto”, até porque acho que a resposta a este tipo de coisa é daquelas que a senadora Kátia Abreu deu a José Serra quando lhe atirou o vinho de uma taça à cara, porque a vergonha é o melhor corretivo aos cafajestes, mas pedir desculpas depois e dizer que “não havia intenção de ofender” só ressalta a covardia de quem age assim.
O mais triste, porém, é que Guedes é o retrato da “avacalhação” dos homens do dinheiro no Brasil, uma espécie de ralé rica, incapaz de liderar qualquer processo de alavancagem de nossa economia.
É por isso que lhes cai tão bem este governo de botequim.

TROCADILHOS...

Quebrada a institucionalidade, a PGR vira uma rinha

A indicação de Augusto Aras não é, por si só, o pior dos mundos para a Procuradoria Geral da República, tamanho eram os disparates que se apontava como possíveis escolhas de Jair Bolsonaro, com alguns nomes que tinham a marca de uma extrema direita terrível.
De fora, parece que são três as questões essenciais.
A primeira, a de quais, quanto e em que profundidade têm os compromissos que assumiu com Jair Bolsonaro. A derrocada da tradição da lista tríplice deixou ao mais completo arbítrio presidencial a escolha do PGR e, com isso, a mais completa politicagem no processo.
São preocupantes não só as notícias de dos movimentos de Augusto junto aos filhos do presidente e, também, de um suposto convite ao procurador Ailton Benedito, um daqueles extremistas, para compor sua equipe.
Quase que certamente a área dos Direitos Humanos será entregue a alguém que tenha por eles o mesmo desprezo que tem Bolsonaro.
Há o risco de que se tenha, talvez, uma ressurreição da figura do “Engavetador Geral da República” que Geraldo Brindeiro encarnou no Governo Fernando Henrique Cardoso.
Não creio que vá poder ser completamente assim, porque há um quadro bem diferente agora com um presidente que não tem a imagem pública que tinha FHC, e 20 anos de descompressão aumentaram muito a liberdade de movimentos dos procuradores.
O segundo e mais delicado ponto é saber qual o destino do “lavajatismo” na nova PGR.
Muito embora Augusto Aras tenha um ponto de contato com Moro e a República de Curitiba no primo Vladimir Aras, nada indica que Augusto pudesse ser o candidato in pectore da Lava Jato.
Não só pelo seu histórico de críticas à operação – mais recentemente suavizado por razões políticas – como por outros motivos, entre eles, até, a diferença geracional que tem – aos 60 anos e ingresso no MP (em 1987) na fase áurea da instituição, na Constituinte – em relação aos pósyuppies, na faixa dos 40, que formam a turma de Curitiba.
Ademais, quando tira de Sérgio Moro o Coaf e o comando da Polícia Federal, parece difícil crer que Bolsonaro fosse dar a ele um Procurador Geral da República afinado com suas pretensões políticas.
As reações iniciais, da Associação Nacional dos Procuradores da República e de procuradores ligados à Lava Jato de fato revelam essa reação da ala “furiosa” do MP.
Nos próximos dias o ambiente entre os procuradores será o de uma rinha, com bicadas e esporões sobre Aras.
Claro que as primeiras reações de Aras serão de contemporização e de “apoio total” àa Lava Jato, até para pacificar sua aprovação no Senado.
Depois, são outros 500.
O MP é um caso claro de autodestruição de sua institucionalidade. Quis entrar na política e, agora, dentro dele, a política o está demolindo.