sábado, 5 de março de 2016

Como se fabrica um Moro, por Nilson Lage

dedod
O segredo do bom professor é a paixão e em lugar algum isso fica mais evidente do que nas escolas de Direito.
Acomodados a viver em um mundo torto, os mestres – juízes e desembargadores – projetam sobre as turmas seus sonhos de refazimento das sociedades por via da lei. Transmitem aos jovens a imagem do que gostariam de ter sido e de ter feito.
(Como se sabe, Direito é ideologia estratificada, codificada e criticada: a lei se curva à realidade, mas não é assim que parece a quem por longo tempo veste a toga e se chama “meritíssimo”).
Os alunos acreditam. Fazem fé. Alguns dos melhores prestam concursos; diploma fresquinho, tornam-se eles mesmos juízes e se dispõem a pôr em prática o discurso dos mais velhos. Conjugando no passado o chavão, “magister dicet” (o Mestre disse) ou “dicebat” (dizia).
Junte-se a isso um tanto de provincianismo, o sal da vaidade, talvez o resíduo familiar do ideal fascista de uma “revolução corporativa”: fabrica-se um Moro.
Como projeta os sonhos de alguns no topo da hierarquia judiciária, o rapaz de mente brilhante acumula poder. Como serve a interesses poderosos, torna-se deles um bom instrumento.
Alavanca de golpe de Estado, talvez não tenha, ou não tenha tido, consciência disso. O jovem galgo, escreveu um comentarista chinês, não mede a distância de seu pulo. Nem mesmo sabe o que o leva ao impulso de pular.
No entanto, seu gesto agita o povo, que é manso e se move em ondas previsíveis, como os oceanos.
No entanto, tal como nos maremotos, às vezes levanta-se por quase nada.
Nos mares e nas massas humanas, os fenômenos são caóticos, do tipo daquele em que as asas de uma borboleta no Brasil causam tornados no Texas.
Daí, pode ser que o povo se desespere no luto pelo cadáver de um homem de que, na véspera, se diziam horrores.
Ou pela humilhação de outro, que com o povo tanto se parece.

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