sábado, 23 de novembro de 2019

O Brasil que não perdoou Sobel pelas gravatas canonizou Gugu pelo lixo que levou à TV. Por Kiko Nogueira

 
Gugu Liberato
A maneira como o brasileiro reagiu à morte de Gugu Liberato e de Henry Sobel, no mesmo dia, dá uma dimensão da nossa encrenca psicotrópica-moral.
Sobel foi um gigante que ajudou a enterrar a ditadura quando se recusou, em outubro de 1975, a sepultar Herzog como suicida no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo.
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O jovem rabino viu as marcas de tortura e não comprou a versão oficial do Exército.
Na semana seguinte, comandou uma missa ecumênica histórica com dom Paulo Evaristo Arns, à época arcebispo de São Paulo, e o pastor Jaime Wright na Catedral da Sé.
Tinha 31 anos. (Meu pai, o jornalista Emir Nogueira, fez parte da organização).
Sobel não encarou apenas o regime militar.
Sofreu resistência da comunidade judaica, que nunca deixou de ser conservadora. Mesmo assim, foi adiante.
A internet não perdoou Sobel quando ele faleceu.
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O episódio em que ele furtou gravatas foi mais lembrado que sua batalha pela democracia.
Aconteceu numa loja em Miami em 2008. Ele passou uma noite na cadeia. De volta ao Brasil, se internou e revelou o uso de remédios. Foi humilhado, julgado e escorraçado.
Acabou afastado da CIP, Congregação Israelita Paulista.
Em 2013, admitiu “uma falha moral”. “Peço perdão a todos”, falou. Repetiu essa penitência ao longo da vida.
Nunca foi perdoado. Nem no caixão.
Gugu Liberato foi vítima de um acidente fatal ao cair de uma altura de 4 metros quando fazia reparo no ar-condicionado no sótão de sua casa em Orlando.
Por razões óbvias, seu passamento teve muito mais repercussão que o do outro.
Mas sua “obra” está sendo mais festejada.
Segundo a Folha, para citar apenas um caso, ele é “dono de uma das trajetórias mais brilhantes da TV brasileira”.
Ora.
Cria de Silvio Santos, eterna cara de menino, Gugu ficou notório com um atração chamada Domingo Legal, um vale tudo ordinário no SBT.
Na guerra pela audiência, criou um pornô soft numa banheira, entrevistava assassinos famosos, cobriu a “exumação” do cadáver de Dercy Gonçalves.
O ponto mais baixo foi a farsa do PCC em 2003, quando dois “membros” da quadrilha falaram ao programa. Os picaretas encapuzados receberam 500 reais cada um para mentir.
Um antecessor das fake news de massa.
Gugu nunca admitiu ter conhecimento da fraude. Cascata completa que ele jamais reconheceu.
Sua morte é uma tragédia, claro.
Mas seu legado foi contribuir com mais lixo no monturo da televisão aberta brasileira.
Sobel não teve perdão. Gugu nunca precisou pedir.

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