quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Seção: Comentários

A fúria do clima e a conta

Coluna do Leitor

Texto publicado na Revista Carta Capital em 18 de Janeiro de 2011 às 16:56h

As tragédias no Rio de Janeiro pegaram todos de surpresa, mas não deveriam. O leitor Saulo Rodrigues Filho enumera algumas medidas que devem ser tomadas que isso não aconteça novamente

A inesperada magnitude da catástrofe climática que se abateu sobre a região Serrana do Rio de Janeiro, sem precedentes nos registros históricos, pegou a todos de surpresa, inclusive aqueles que se dedicam a estudar os fenômenos climáticos ao redor do mundo. Por isso, como especialista nesse tema, quero apresentar minha leitura sobre o que ocorreu e minha angústia com o que pode vir a ocorrer num futuro muito próximo.

O dilúvio do dia 11 de janeiro de 2011 trouxe mais de 600 mortes, podendo chegar a 700, apenas na região Serrana, com perdas materiais que somam algo como 1% do PIB nacional, considerando os prejuízos causados nos três estados mais atingidos, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

A pior notícia? A de que isso ainda é pouco mediante o potencial de destruição desse tipo de extremo climático, onde as encostas, preservadas ou não, simplesmente se liquefazem, deixando os canais fluviais subitamente entulhados, espraiando a destruição até para áreas relativamente afastadas das suas margens. Nenhum mapa de risco climático teria sido capaz de prognosticar aquilo que estamos assistindo, estupefatos.

Imaginem se dilúvio semelhante tivesse sido despejado a poucos quilômetros de distância, nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo ou Belo Horizonte. A densidade populacional, e as precárias condições de ocupação das encostas nessas cidades, teriam levado não às centenas de vítimas de agora, mas a dezenas de milhares de mortes, talvez centenas de milhares de uma só vez. E a população atingida seria quase exclusivamente formada pelos estratos inferiores da pirâmide social, num perverso e brutal mecanismo de “desocupação” das favelas. Economicamente, os prejuízos poderiam atingir a casa dos dois dígitos percentuais do PIB.

Esse fenômeno tecnicamente conhecido como solifluxão, quando o solo flui, também chamado de deslizamento de encostas, até hoje, podia ser observado em pontos isolados, preferencialmente onde o desmatamento e a ocupação irregular favorecem esse tipo de evento. A partir de agora, não mais. Verificamos que trata-se de uma escalada progressiva ao longo dos últimos anos, que pode atingir indistintamente qualquer território da Serra do Mar e da Mantiqueira, do Espírito Santo a Santa Catarina, onde vivem cerca de 100 milhões de brasileiros.

A regularidade alarmante dos extremos de chuva que vêm assolando a região Sudeste do Brasil exige medidas urgentes de adaptação às novas condições climáticas. Desde 2008, houve os desastres do Reveillon de Angra dos Reis, de menor magnitude, passando pelo do Morro do Bumba, em Niterói e arredores, numa escala muito maior, chegando à catástrofe de dimensões bíblicas que assistimos consternados em Nova Friburgo e Teresópolis, em 2011.

Para quem acompanha o debate cientifico sobre mudanças climáticas, fica claro que esse evento de 2011 será lembrado como uma das evidências mais eloquentes de que o clima global está mudando de forma assustadora, por seu ineditismo e magnitude. A partir de agora, não há mais espaço para o ceticismo dos poucos que ainda resistiam em admitir a existência do fenômeno global. Chega de “brincar com fogo”, que nesse caso é a água destruidora!

As medidas de adaptação às mudanças climáticas estão previstas nos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) da ONU desde 1990. Sabe-se também que os países mais vulneráveis são, perversamente, aqueles que menos contribuíram com as emissões de gases de efeito estufa, os países em desenvolvimento. Vulneráveis não apenas por sua menor capacidade econômica e conjuntural de enfrentar os novos desafios climáticos, mas também por estarem concentrados nas regiões mais quentes e climaticamente instáveis do globo.

Por isso, na última reunião realizada em Cancún, no México, em dezembro de 2010, a 15a Conferência do Clima aprovou a constituição de um fundo internacional de 100 bilhões de dólares para o financiamento de medidas de adaptação nos países mais pobres. Pode não parecer, mas trata-se de uma migalha diante dos investimentos necessários nesses países.

Para se ter uma idéia, apenas o Brasil absorveria um montante como esse para implantar as necessárias medidas de redução de sua vulnerabilidade ao clima: constituição de sistemas de monitoramento e alerta eficientes; construção de redes de drenagem pluvial nas inúmeras encostas da região Sudeste, devidamente redimensionadas à nova realidade climática; programas de reflorestamento de encostas e de saneamento; programas de treinamento e capacitação das instituições de governo responsáveis por áreas tais como: infra-estrutura, defesa civil, agricultura, transporte, habitação, saúde pública e educação. Isso sem falar nas outras regiões do país, que também exigem investimentos para a prevenção de catástrofes climáticas, como as secas no Semi-Árido do Nordeste que devem se agravar, os incêndios florestais que aumentam sua freqüência com o aquecimento na Amazônia e no Cerrado, e as inundações onde há rios caudalosos país afora.

Por fim, diante de um evento climático dessa magnitude não basta apontar o descaso das autoridades (ir)responsáveis pelo planejamento urbano e territorial, que historicamente têm contribuído para o agravamento da situação. Também a população que trata com total desrespeito o ambiente onde vive, desmatando encostas e entulhando lixo nos próprios quintais deve ser responsabilizada e chamada a uma urgente mudança de atitude.

A partir de agora, mais do que nunca, podemos advogar nos fóruns internacionais que parcela majoritária da conta para cobrir os custos desse imenso trabalho de prevenção de desastres climáticos deve ser apresentada aos verdadeiros responsáveis pela mudança do clima global, os países desenvolvidos, que por séculos vêm entulhando a atmosfera com gases de efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis.

Saulo Rodrigues Filho é doutor em Ciências Ambientais pela Universidade de Heidelberg, Alemanha, geólogo e professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília

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