terça-feira, 27 de abril de 2010

"O Oleiro de Altamira"


Texto publicado na Revista: Carta Capital, em: 27/04/2010 13:24:35

Por: Delfim Netto

Além da demanda brasileira por energia, Belo Monte atende também às necessidades do povo da região amazônica

Durante todo o tempo (36 anos, pelas minhas contas) em que se discutiu a viabilidade do aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu, a grande maioria dos que se opunham à construção da usina fez questão de ignorar o fato de que o Brasil precisa dessa energia. Não houve propriamente um debate: as manifestações mais intensas pareciam revelar o desejo de pessoas que sonhavam em voltar a viver na Idade da Pedra, mas ao mesmo tempo continuar a usar o automóvel... Afinal, a proposta dos “verdes” não conseguiu substituir as fontes de energia limpa pelas formas altamente poluentes dos derivados de petróleo, do carvão e da energia nuclear? Todos sabem que, no futuro previsível, nem a energia eólica nem a solar conseguirão suprir as nossas necessidades na dimensão necessária.

Dois outros aspectos devem ser notados: um é a omissão a respeito do povoamento da Amazônia, como se nada existisse (são algo perto de 20 milhões de não índios), a não ser as comunidades indígenas, cujos costumes, tradições e terras devem ser preservados. E vão sê-lo, pois o comportamento moderno brasileiro de proteção às nossas tribos é um exemplo de civilidade, se comparado ao resto do mundo. O segundo é o “esquecimento” do tema por parte de quase toda a mídia (notavelmente a situada “ao Sul do Rio Grande”), quando vence a racionalidade e se constroem as hidrelétricas. Itaipu é um exemplo longínquo e Santo Antônio e Jirau os mais recentes.

O fato é que, contrariando o ativismo dos que se autodenominam guardiões da natureza, o governo se esforçou e conseguiu derrubar as últimas liminares que atrapalhavam o leilão da usina de Belo Monte. Estima-se que antes do fim do ano comecem os trabalhos de construção das barragens na chamada Volta Grande do Rio Xingu, com capacidade para gerar 11 mil MW de energia a partir de 2015.

Numa obra desse porte, é sempre possível apontar dificuldades, principalmente quando muito pouco se conhecia da diversidade do território amazônico, das características de sua população e da densidade demográfica, e sua distribuição geográfica. Fica a cada dia mais evidente, no entanto, que se trata de uma decisão estratégica que vai produzir enormes benefícios e melhorar a qualidade do desenvolvimento brasileiro.

A proximidade da realização do leilão produziu também uma nova abertura na grande mídia para ouvir diretamente a opinião dos verdadeiros protagonistas dessa epopeia amazônica: os moradores da região que receberão o impacto da obra em suas atividades. O resultado não surpreende quem conhece um pouco o Brasil: não há nada próximo de um consenso, pró ou contra a usina, mas a tendência mais facilmente identificável é a favor do progresso. Dentre as manifestações de pessoas da região, extraí duas de um relato do repórter Agnaldo Brito, na edição da Folha de S.Paulo de domingo 18/4 (pág. B-3). Dentre muitos entrevistados, ele conversou em Altamira com o caminhoneiro José Luiz Alves, desempregado pela falta de madeira para transportar e com o oleiro Ricardo da Cruz, involuntariamente ocioso devido ao alagamento da área de extração de argila para a produção de tijolos, às margens do Xingu. O que é normal em certos períodos do ano em determinados trechos de rios amazônicos.

É uma circunstância feliz poder ler a opinião de protagonistas autênticos da saga amazônica, em contraste com as habituais patetices dos “famosos” do gênero, como o roqueiro Sting, o patético Al Gore e o cineasta James Cameron, que se apresentam, respectivamente, como “protetores” da natureza, defensores da “internacionalização” do pedaço e (o máximo de pretensão!), o “espelho do futuro que desejam evitar!”

Para Alves, o caminhoneiro, a esperança de reencontrar uma atividade é a construção da usina: “A indústria madeireira está paralisada, as serrarias fecharam, não serram nem cabo de vassoura. Não fui embora por causa da usina...”

Já Ricardo, o oleiro de Altamira, sentenciou: “Quem é contra a usina é contra porque tem emprego, tem ajuda. Os índios recebem ajuda do governo, nós não. E para o povo de fora, é fácil também. Eles acabaram com tudo, agora querem ser os donos da Amazônia”...

O jornalista informou o que concluiu das entrevistas com as pessoas da região: “As questões ambientais ou indígenas são vistas pelos locais como argumentos de quem tem sobrevivência garantida. Não é o caso de boa parte dos 60 mil habitantes de Altamira”.

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